Amar todas as marcas

Amar todas as marcas

Carol Figueiredo conta como aprendeu a amar as marcas do próprio corpo

"O que são essas linhas que você tem nos seus seios, Carol?" disse um amigo meu de 12 anos quando fui pra escola com uma blusa regata. Foi a primeira vez que me lembro de ter sentido vergonha das minhas estrias.

Sempre fui uma pessoa grande. Desde muito nova, meu corpo era diferente dos das meninas que estudavam comigo. Robusta, grande, gorda mesmo. E isso não significa que eu tenha sido feia, afinal, gorda não é uma ofensa. Mas isso significa que eu estiquei bastante. Com esse "esticar", meu corpo cresceu de forma acelerada, e as estrias apareceram em diversos lugares do meu corpo; braço, perna, seios, quadril, bunda… elas estavam por toda parte. 

No dia que esse meu colega viu e comentou sobre as estrias dos meus seios, fiquei extremamente triste na escola. Fui pra casa, e fiquei me olhando no espelho. Nunca tinha reparado nelas pra ser sincera. Era como se fizessem parte do meu corpo - o que não é uma mentira. Comecei a enxergá-las como defeitos mesmo. A partir disso, comecei a reparar os olhares das pessoas diante delas. Antes os outros podiam até fazer isso, mas como eu não enxergava como um problema, não percebia. 

Olhares, buchichos, risadinhas, tudo isso por conta do meu corpo e da minha pele. Por conta das minhas marcas. Não fazia muito sentido pra mim, mas passei a enxergar como problema também. Minha cidade é extremamente quente. No entanto, mesmo nos dias mais escaldantes do sertão de Pernambuco, eu não me permitia usar uma regata mais. Quando eu ia à piscina, não usava biquíni - muitas vezes nem por conta do meu corpo, porque sempre tive uns quilos a mais que as minhas amigas, mas sim por conta das estrias. Sabe aquelas malhas de praia? Aquelas com proteção UVA/UVB. Pronto, eu sempre usava, mesmo se não estivesse tanto sol assim. Não ligava em me proteger do sol, mas sim em me proteger dos olhares e julgamentos. 

E esses comentários chatos não ficavam apenas no âmbito escolar não, viu? Na família era bem pior. Além das palavras serem inconvenientes, vinham junto de "dicas" para disfarçar as estrias. "Você pode passar borra de café, Carol!", "Menina, fica no sol que elas bronzeiam e ficam da cor da sua pele", "Nossa, tão novinha e cheia de estria, pede pra sua mãe te levar pra fazer um tratamento!", e por aí vai. Mal essas pessoas sabiam que estavam criando marcas muito mais profundas, e essas eram invisíveis. 

Cresci - em idade dessa vez - e fui amadurecendo. Tive contato com mulheres na internet que me falavam que meu corpo era bonito do jeito que era, e comecei a pegar mais leve comigo mesma. Não tinha acesso a nenhuma influencer que falasse especificamente sobre estrias e cicatrizes, mas o body positive em si me ajudou a ressignificar o sentido do autoamor que elas tanto falavam. Fui normalizando essas marcas que estavam no meu corpo - tanto as estrias, quanto outras cicatrizes que porventura apareceram por aqui. 

Com 18 anos, entrei na faculdade de Jornalismo. Nesse curso, a gente paga uma cadeira chamada "Fotojornalismo", que consiste em ensinar a fotografar para cunho jornalístico, entre outras coisas. No entanto, a professora passou um trabalho de tema livre para a nota final da cadeira. Pensei em mil coisas, mas a única que fazia sentido era: 

"Preciso fotografar e falar sobre as minhas estrias."

Tema definido, conceito arquitetado, fotos executadas, trabalho entregue. Nota 10. Fiquei tão feliz que publiquei as fotos na internet, e foi um dos trabalhos que mais repercutiram na minha história de criadora de conteúdo. Diversas mulheres mandando mensagens no meu direct e e-mail falando que se viram demais nas imagens, que a sensibilidade foi grandiosa, e eu só consegui pensar na Carol de 12 anos que usava moletom e passava base em cima das estrias para poder viver em "paz". Como aquela menina precisava ter visto uma exposição de imagens como essa, não é? 

Por isso estou aqui, expondo novamente para vocês as minhas marcas. Desde o ano do trabalho (2019) meu corpo mudou bastante. Algumas novas cicatrizes apareceram, e todas, dessa vez, surgiram de forma espontânea. Tenho muito orgulho de todas elas. 

Celebre as suas marquinhas! Estrias, cicatrizes, marcas de acne, tudo. Essas marcas são como palavras escritas em um diário. São elas que contam sua história, porque o seu corpo esteve com você esse tempo inteiro. Pense nas estrias do corpo de uma mãe: elas estão ali porque, caramba, 9 meses gerando um bebê na barriga! História demais para contar, não é? Ou pense também em uma criança com joelho ralado. Ela caiu e criou cicatrizes no joelho, mas foi enquanto brincava e se divertia. Essas histórias merecem ser lembradas e celebradas.

Hoje eu entendo que sem as minhas marcas, talvez não lembrasse da jornada que me fez chegar até aqui. Estou pronta para celebrá-las e aceitar as outras que virão, porque elas contarão histórias lindas também. 

Aprenda a ler, reler, e amar as suas <3

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