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A obsessão pela shelfie e o skincare ostentação nas redes sociais

Sobre a febre da shelfie perfeita e o perigo que isso pode esconder, por Mariana Inbar e Julia Petit

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Foto: Google Images

Lembra de quando - no que parece um passado muito longínquo - a gente era completamente obcecado por penteadeiras abarrotadas de maquiagens e mais maquiagens? Não valia mais duas bases, tínhamos que ter cinco. Batom vermelho? 12 é um bom começo. O skincare, coitadinho, era renegado a três frasquinhos no banheiro, no máximo - o bem básico mesmo. Nem mesmo a palavra shelfie existia.

Daí veio essa febre toda, e como a gente já sabe muito bem, o skincare roubou esse protagonismo da maquiagem, trazendo a mentalidade tão positiva de que nada adianta a melhor base do mundo se sua pele não está bem cuidada por baixo. Válido demais.

Só que a tal da febre do skincare trouxe consigo o que cunhei "carinhosamente" como...

A shelfie e o skincare ostentação

Lembra dos obrigatórios tours por closets entupidos de bolsas e sapatos, gavetas de óculos escuros e tantos acessórios? Roupa! Roupa! Roupa! Atualmente, quem ocupa esse lugar é a tal da shelfie.

Você não precisa nem ser viciado em cosméticos para já ter visto uma foto invadindo seu feed do Instagram ou ilustrando matérias de sites do gênero: a #shelfie é aquela imagem de prateleiras e mais prateleiras abarrotadas de produtos de skincare. E assim, no que parece um estalar dos dedos, voltamos a aquele excesso de compras de beleza.

"Mas o excesso de compra de cosméticos não é o excesso de compra de maquiagem, é muito pior", pondera Julia Petit, após nós duas lermos uma matéria sobre, adivinha? O fim da shelfie. "Porque o produto de maquiagem você vai usar uma sombra num dia, um batom no outro, e pode até acabar acontecendo de você consumir produto demais, porque é isso, né? Você quer variar as cores, as texturas e tudo mais. O skincare não é assim. A maioria dos produtos demora um certo tempo para fazer efeito e para você de fato criar uma relação com eles, então não dá para ficar comprando skincare como as pessoas compravam maquiagem antigamente", ela segue.

"O skincare é a nova maquiagem, e as pessoas estão consumindo skincare como consumiam maquiagem - o que não é legal. Até do ponto de vista de opressão, de você achar que vai ter uma solução imediata, de um objeto de desejo que você precisa ter para te representar, para achar que você está participando de uma conversa importante ou que está na moda."

Julia Petit
Foto: Google Images

O lado nada prático da shelfie

Só que montar uma shelfie "instagramável" custa muito mais caro do que encher suas gavetas de batons e bluses. "O produto barato de skincare é muito mais caro que o produto barato de maquiagem", diz Julia. Ou seja: a #shelfie gera um desejo imediato de ter todas aquelas embalagens lindas arrumadinhas no armário te olhando toda manhã, mas isso pode ser algo que foge ao orçamento/realidade de boa parte (se não a maioria) de nós.

"E tem mais uma coisa: esses produtos se degradam, se estragam. Eles têm um prazo de validade fechados e abertos, e você deveria de alguma maneira usar os produtos", segue enumerando a Julia. "Sejamos sinceros, ninguém usa um set certinho de produtos. A gente pode ter mais coisas, até para complementar nossa rotina, criando um tratamento diferente e mais amplo, tudo bem. Você até pode ter mais de um produto de cada tipo, mas é importante não enlouquecer com essa coisa", aconselha.

E aí vem a pergunta: para que você tem seus cosméticos?

É de fato para usar tudinho que está ali naquela prateleira lotada ou é para fotografar a sua shelfie e se sentir participante de um movimento? É para inserir na rotina de skincare ou é para decorar? E se for para decorar, a gente pode abrir aqui um parêntese e se questionar sobre sustentabilidade também, não pode?

Vale a gente pegar, olhar tudo o que tem na nossa bancada e refletir: o que já usamos até o fim? O que realmente funciona? O que estamos testando e gostando? Você tira o máximo de proveito dos seus cosméticos? "É muito importante usar os produtos até o fim. As pessoas tinham uma ideia, no auge da febre da maquiagem, de que tinham que comprar mil maquiagens porque viam minha penteadeira ou a da Vic [Ceridono], e agora tem esse fenômeno das pessoas que compram mais skincare por causa da #shelfie.

"A gente tem que diferenciar o skincare efetivo do skincare para o Instagram"

Julia Petit

(Vale um comentário aqui: além da Julia, a própria Vic Ceridono já esclareceu em diversos vídeos em seu Dia de Beauté que a quantidade de maquiagem que ela tem nem de longe chega perto ao que uma pessoa precisa ter de fato. É fácil ouví-la em seus vídeos esclarecendo que a quantidade que ela tem é devido a seu trabalho).

E aí eu volto àquela febre do tour dos closets. Lembra do sentimento de inadequação que aqueles vídeos e fotos no Instagram/blogs criavam, de que a gente nunca tinha roupa o suficiente? As shelfies podem gerar essa mesma ilusão de necessidade. Você pode olhar e talvez pensar, 'será que eu tenho pouco? será que eu devia estar passando mais coisa na minha pele?' E nem sempre é sobre passar muitos produtos na sua pele, às vezes ela responde com três. "Fora que se você usar 12 produtos, você nem vai conseguir saber ao que sua pele está respondendo, porque com certeza não é aos 12 juntos."

Como as shelfies de cosméticos, em banheiros abarrotados de skincare, podem estar abalando nossa relação com a nossa própria pele.
Foto: The Independent

O resultado na pele

Saindo do ponto de vista desse possível sentimento de inadequação (o "querer pertencer") e da sustentabilidade, tem um outro ponto que Julia levanta e que é importantíssimo: como a está reagindo ao uso de tanta coisa ao mesmo tempo? Com hipersensibilidade e cada vez mais alergias ou quadros de dermatite, como os próprios dermatologistas atestam. Julia vai além: "O que mais me preocupa é achar que os produtos vão solucionar a aceitação que você tem ou não com a sua própria pele".

Ela continua: "O excesso no skincare me preocupa muito, porque é de fato a pele da pessoa. A maquiagem você passa muito mas tudo bem, você toma banho e sai. A roupa você tira e pronto. Mas o excesso do skincare pode gerar a vontade de atingir uma coisa que às vezes pode não ser atingível sem um tratamento mais forte." Julia cita como exemplo as meninas que participaram da nossa colab no Maranhão: "Lá faz muito calor, e foi muito legal ouvir todas elas falando 'aprendi que minha pele vai suar, que vai brilhar no verão, e que vai acabar surgindo uma espinha, e eu vou tratar, mas não vou ficar maluca.'"

"Os cosméticos não vão mudar quem a gente é. Eles podem melhorar sua pele, mas ela vai continuar sendo a sua pele."

Julia Petit

É tão importante a gente, no meio dessa conversa, bater na tecla de não acreditar em uma coisa milagrosa que o skincare pode não te entregar, sabe? "Ou ele pode te entregar quando você tem uma abordagem mais minimalista e escuta com calma quem realmente entende de pele", complementa Julia.

O antídoto da shelfie

Tá, mas e aí, como você faz para controlar a ansiedade de não ter aquela bancada linda coberta de potes de cosméticos? A Julia revela o que fez na sua casa: "Tenho uma bandejinha na minha penteadeira que tem uns 20x15cm ou 20x25cm, e aquele é todo o espaço que eu tenho pra guardar os produtos, com excessão das máscaras de potes maiores. Esse é todo o espaço que tenho. Isso significa que se eu quiser mais coisas, tenho que tirar coisas dessa bandeja e trocar. Eu limitei literalmente uma cerquinha, esse é o espaço que eu tenho para os produtos que eu tenho pra mim, é o que eu gosto e uso de fato, e tento me manter controlada ali. Do lado da minha cama tem um cremão, uma máscara noturna e acabou."

#shelfie não é tudo

No final das contas, é sobre não olhar a #shelfie como um trunfo da sua vida e a resolução de todos os seus problemas, e pensar sempre em como o skincare tem que ser uma relação sua com você mesmo acima de tudo.

É sobre tomar muito cuidado com o consumo excessivo, sobre representar coisas que a gente não é. "A pior consequência é a pele hipersensibilizada de quem usa muito mais produto do que precisa. A pele não precisa de tanto produto assim, escolha seu produto e use até o fim. Não funcionou até o fim? Tudo bem, passa para o próximo produto, mas esse que você testou e não conseguiu usar você passa para alguém que gostaria de comprar", diz Julia. "Cosmético exige paciência. Você está conseguindo dedicar o tempo que você precisa pra de fato entender ou ter o efeito do cosmético que você tem?", encerra nossa Ruiva.

Sempre lembrando: é pra ser saudável, prazeroso, é pra gente se sentir bem na nossa própria pele. E quando não sentir, é pra gente saber trabalhar junto com ela. O resto é o resto. <3

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