A ilusão opressora do "linda até sem maquiagem"

A ilusão opressora do "linda até sem maquiagem"

Depois de dar de cara com fotos de paparazzi em que uma celebridade "linda até sem maquiagem" teve seu rosto todo retocado para apagar espinhas, Mari Inbar reflete sobre o conceito da beleza de cara lavada que varre as redes sociais. É cara lavada mesmo?

Foto: Septian Simon/ Unsplash

Outro dia, passeando pela internet, dei de cara com uma chamada: "Fulana sai para jantar com o marido sem maquiagem". Você fatalmente já deu de cara com uma manchete dessas. Não precisa nem ler o texto para saber como ele se desenrola: "Provou que é linda até de cara lavada".

Cliquei no artigo, lá estava fulana, de fato, saindo para jantar com o marido e aparência de cara lavada, em uma foto de paparazzi. Quem tem o olho mais treinado sabe bem que ali tinha algum BB Cream, algo que fosse apenas para dar uma uniformizada no tom da pele e conferir aquele viço bonito de pele natural. Mas a questão não é essa.

No mesmo dia, dei de cara com a mesma manchete e a mesma foto em outro site. E outro. E outro. A diferença? Nestes outros sites que também postaram a imagem, a fulana em questão estava lá, sem maquiagem, mas com várias espinhas no queixo (acne hormonal, argh!). Voltei no primeiro link em que vi a foto. Zero espinhas. Retornei aos outros. Pelo menos umas três espinhas. Não estava viajando. A primeira foto que vi, sem a menor dúvida, estava retocada.

Por que se retoca uma foto de paparazzi em que uma mulher sai para jantar com o marido sem maquiagem? Simples: porque para muitos veículos, para vender a ideia do "linda até de cara lavada", a beleza precisa ser irretocável. Ela precisa estar indiscutivelmente perfeita. A pele lisa. Ter espinhas no queixo imediatamente invalida esse conceito.

É por essas e tantas outras que tenho uma enorme preguiça desse papo do "linda até sem maquiagem" que se vende na mídia. Por que ele é tão opressor e ilusório quanto a ideia de que uma mulher só é linda se está maquiada. Fora que ele acaba colocando sobre a maquiagem um fardo de culpa, de que usar maquiagem é errado.

Depois de anos e anos de tablóides se esforçando para clicar celebridades sem maquiagem e mostrar que na vida real elas não são nada daquilo do que vemos nos tapetes vermelhos (querendo dizer que eram bem detonadas, claro), a mídia começou a adaptar essa conversa. E o grande público feminino, claro, começou a se comparar, como inevitavelmente acontece, com essa realidade. Fabricada. Isso é tão importante de dizer: é fabricado do mesmo jeito, gente.

Fotos de paparazzi são retocadas no Photoshop para vender um ponto. Selfies no Instagram são feitas sob a luz perfeita. Sardinhas, olheiras e sobrancelhas irregulares são adaptadas para se encaixar nessa narrativa, mas é maquiagem do mesmo jeito. Só que outro tipo de maquiagem - que seja apenas até na linguagem usada -, e talvez mais nociva, porque é escondida, vendida como realidade absoluta.

A internet é campo minado, e quanto mais a gente se conhece, quanto mais sabe como as coisas são na real, pra valer, mais consegue a gente consegue achar o caminho das pedras, farejar os truques de longe e se olhar no espelho sem ver mais ninguém além de nós mesmos. Que é o mais importante dessa jornada toda, né? O "linda até sem maquiagem" de acordo com os padrões superperfeitos dos outros a gente dispensa. 

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