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Ensinamentos de filha para mãe

Carol Figueiredo navega a relação entre mãe e filha, que mais do que nunca requer empatia, educação e conversa - vamos juntas?

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Não preciso nem te conhecer pessoalmente para saber que você passa ou já passou por algum embate ideológico com a sua mãe - ou alguma mulher que fez parte da sua criação. Pensamentos racistas, machistas, gordofóbicos, xenofóbicos, entre outros assuntos, não são incomuns de surgir durante uma conversa trivial, um jantar em família ou até mesmo disfarçado de "conselho". Eu sei, é difícil de engolir. Mas, como lidar com isso e tentar mudar a postura delas de forma consciente e sem causar conflitos? 

+ O cansaço que a espera traz

Esses temas citados anteriormente existem desde sempre. No entanto, vieram para os holofotes, de fato, há pouco tempo - 20, 30 anos atrás. Mesmo sendo discutidos, ainda não são completamente digeridos, e olhe que estamos no século XXI, em plenos anos 20. Dito isso, vamos tentar imaginar o contexto em que nossas mães estavam sendo criadas, tendo acesso às pautas e criando suas ideologias e censo crítico. 

Nos anos 80, a humanidade vivia um conservadorismo absurdo, acompanhado de um antifeminismo gritante. A maior parte do que  fosse contra o ideal da "mulher perfeita-para-casar" era considerado incabível. Até um dia desses - 1962, para sermos mais exatos - as mulheres no Brasil só poderiam trabalhar se tivessem autorização dos seus maridos. Sim, você leu direito. 1962, 59 anos atrás. O ideal de beleza dessa época envolvia um puritanismo que não existia de fato, mas precisava ser exercido. Um corpo magro e "esbelto", cabelos "controlados", e, claro, quanto mais clara fosse a sua pele, mais bonita você era.

+ Sobre ter orgulho de como se fala

Saindo um pouco do campo do feminismo - ou não - precisamos também discutir comentários gordofóbicos. Provavelmente, se você for mulher, você já ouviu algum comentário desconfortável sobre o seu corpo, onde sua mãe colocava parâmetros de: gorda é ofensa, e magra é elogio. Isso mexeu com sua autoestima e com sua confiança. Sim, confie em mim, eu sei como é. Mas, pare pra pensar. Da mesma forma que você teve acesso aos comentários vindos de sua mãe, ela teve esses comentários vindos da mãe dela, e a sua avó teve da mãe dela, e por aí vai. 

O problema não está necessariamente na sua mãe, e sim na sociedade em que vivemos. Virar inimiga dela por conta dos comentários não vai te libertar, e sim prender vocês duas.

+ Amar todas as marcas

Não sei se isso é uma realidade sua, mas uma coisa que eu sempre escutei das minhas tias, minhas avós e a minha mãe é que elas investem na educação dos filhos porque queriam que eles tivessem a oportunidade de aprender o que elas não aprenderam. De início, a gente pensa em cursinho de idiomas, colégios bons, professores renomados e universidade. Mas, quando você para e analisa ao que tivemos acesso, vemos que vai muito além disso. Enquanto nossas mães e avós aprendiam a costurar, a criar um lar, a respeitar o marido e ser donas de casa, nós aprendemos o que é feminismo, racismo, entre outras pautas que antes não eram lidas como problema. 

Enquanto você aprendia sobre direitos femininos e liberdade corporal, onde sua mãe estava? Onde ela foi impactada por isso? Quando você teve acesso aos textos e artigos sobre racismo e xenofobia, sua mãe estava fazendo o quê? E para além disso, quando você estava finalmente furando a bolha de seguir apenas influencers magras e fitness e se abrindo a conhecer o body positive e enxergar beleza em outros corpos, o que sua mãe estava fazendo? Alguma dieta restritiva? Pois é.

+ Como administrar o nosso tempo se estamos tanto tempo online?

Não é fácil ouvir comentários machistas, misóginos e preconceituosos vindo de qualquer pessoa, menos ainda das nossas mães e mulheres que compõem a nossa família. E esse texto não é um texto te pedindo pra passar pano para essas coisas. Se pararmos para analisar, nossas mães e avós e tias possuem acesso ao conhecimento nos dias de hoje. Vai, me diz que ela não tem WhatsApp, Instagram? De fato, elas têm. Mas a aceitação desse tipo de conteúdo mais desconstruído e reacionário pela parte delas não é fácil. É aí que entramos para ajuda-las. 

Precisamos lembrar que existe um contexto - histórico, social, ideológico - que veio antes da nossa geração, existe um contexto que virá depois e que podemos ajudar a moldar, incluindo nossas mães nele.

+ Existir para criar, e não o contrário: o cansaço criativo

Ao invés de brigar, discutir, argumentar grosseiramente ou criar desavenças, que tal pensar em formas mais acessíveis e didáticas de lidar com isso? Uma coisa que sempre funciona por aqui é questionar o porquê daquele comentário. Quase sempre - ou sempre mesmo - comentários preconceituosos não possuem explicação lógica.

"Você precisa emagrecer pra ficar mais bonita."

"Por que você diz isso? Não entendi. Pode explicar?"

Com isso, você vai perceber que nem elas mesmas vão entender o motivo de estarem falando aquilo. E não vale apenas para comentários gordofóbicos. Funciona com comentários racistas, homofóbicos, etc. Outra coisa que funciona e que deve ser inserida nessas relações de desconstrução entre filha + mãe - ou qualquer outra mulher que tenha feito parte da sua criação - é o afeto. Muitas vezes, a sua própria mãe se sente oprimida pelos pensamentos que instauraram em sua mente. Mostrar que ela também é vítima daquele discurso pode ser um caminho. 

+ Por trás dos Stories

Tem uma frase que eu gosto muito que diz que: "A revolução começa, primeiro, dentro de nós mesmas. Mas se ela não alcança a forma como enxergamos nossas mães — os primeiros modelos de mulheres a que fomos expostas — ficaremos presas dentro de um ciclo vicioso de oferecer empatia a apenas algumas." - furiosa 

Acredito que esse é o caminho. Não adianta ficarmos presas em relações de militância entre nossas amigas e amigos, manter nosso discurso nas academias e em bolhas de internet, e não levarmos em conta que em nossas casas existem mulheres que, embora tenham feito a sua parte em relação ao impacto que causaram na geração que criaram, ainda são indivíduos que vivem em sociedade e lidam com opressões diárias, sejam elas do passado e do presente. Nada mais justo do que ajudarmos elas a se libertarem disso aos poucos, e construir enfim uma realidade mais livre para as que virão no futuro. 

Vamos juntas?

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