carolina figueiredo

Entre sonhos e pagar boletos

Carol Figueiredo fala um pouco de como conseguiu unir o necessário para sobreviver e, ainda sim, correr pelos seus sonhos

carolina figueiredo

Quando é que a gente deixa de lado aquele sonho de ser astronauta e começa a pesquisar no LinkedIn alguma vaga que encaixe pelo menos o mínimo no nosso gosto? E quando é que a gente esquece que sonhou em ser uma cantora famosa e aceita um trabalho meio monótono e sistemático? Quando amadurece? Talvez. Hoje em dia eu tenho 21 anos e isso parece fazer mais sentido pra mim do que quando eu tinha 15, 16 anos. E com certeza com essa idade esse pensamento fazia mais sentido do que quando eu era uma criança. 

Desde muito nova, ouvi meu pai dizer que não dá pra ser sempre o que a gente sonha. Foi assim que a minha vontade de ser cantora foi arquivada no meu HD interno. Bailarina também ficou por lá.

Pausa. Não quero que nesse texto você vilanize as pessoas que estão do lado do "sonho não paga contas", ok? Vamos apenas andar por esse texto sem achar ninguém certo ou errado; apenas reconhecer que pessoas são diferentes e realidades também.

+ O apego ao cansaço

Ok, voltando. Quando meu pai começou a me falar essas coisas pela primeira vez, eu devia ter por volta dos 10 anos de idade, por aí. Acho que ele se assustou quando falei que queria cantar pra viver ao invés de ser médica, como ele e todos os pais dos meus amigos e amigas idealizavam o futuro dos seus filhos. Tudo bem. Com essa idade, a gente já passou da fase dos "por que, mamãe?" e deixa de questionar tanto as coisas. Eu, tristinha até, apenas aceitei. Fazer o que, né? Era meu pai, ele era adulto, devia entender o que estava dizendo. Mas nunca quis ser médica não, disso eu tinha certeza. Cheiro de hospital me deixava bastante enjoada, imagina viver naquilo todos os dias? Não. E o meu pai começou a entender isso. Daí, o discurso mudou um pouco. "Por que você não faz concurso público?", ele dizia. Na verdade, ainda diz. É um discurso comum para ele. 

"Você pode fazer o concurso e garantir um dinheiro fixo e fazer o que gosta como hobbie", dizia ele. Eu, no auge da minha adolescência, ficava extremamente aborrecida e não acreditava. Como podia? Primeiro ele estragava meu sonho de ser cantora, e dessa vez ele queria me empurrar pra fazer concurso público de sei lá o que só porque tinha dinheiro envolvido no meio. Acreditava até que era meio ganancioso de sua parte. Abandonar o sonho por dinheiro me parecia muito desonesto comigo mesma. A vontade de ser cantora já tinha passado - ela foi embora junto com meu gosto por Hannah Montana. Meu sonho agora era ser escritora famosa. Vender vários livros, aparecer na TV, ser jornalista. Tinha como inspiração Glória Maria e Fátima Bernardes. "Quantas Glórias Marias existem, Caroline?", pensava comigo mesma. De fato, é muito difícil seguir o seu sonho e se destacar nele, mas eu estava disposta a segui-lo mesmo que isso significasse não ganhar dinheiro. 

+ Qual parte de férias você não entendeu?

Teimosa e teimando, continuei seguindo meu caminho. Nunca parei nem pra ver como se faz um concurso público, nem nunca peguei em um edital para ler. Daí, como quem pensa que não vai chegar nunca, chegou o dia de me inscrever no vestibular e decidir o curso que eu queria fazer na faculdade. Jornalismo já era minha opção desde os 16 anos. Meus pais aceitaram, né… depois de tanto tempo teimando naquilo, consegui o apoio deles. Passei, saí de casa, e as coisas começaram a ficar menos decididas pelos meus pais e mais decididas por mim. Daí algumas coisas começaram a fazer sentido, coisas que eu nunca quis aceitar como verdade, mas que a vida se encarregou de me fazer entender sozinha. 

Meu primeiro emprego depois que saí de casa foi em uma agência de publicidade aqui da cidade. Na verdade, foi um estágio, deixemos bem claro aqui. Ganhava uma bolsa auxílio estudante e isso me deu um gostinho de "caramba, estou ganhando meu dinheiro e pagando algumas coisas! Quero continuar nisso". Mas era chato. Pense num negócio chato. Era fazer Social Media. Escrever sobre coisas que eu nem sabia o que eram, me reinventar em mil profissões para criar conteúdo pros clientes - tinha médico, coach, restaurante, empresa de tecnologia, tudo que você imaginar, menos o que eu queria escrever. Era desgastante e exaustivo ter que usar todo meu talento em uma coisa que eu não gostava. 

+ Sobre ter orgulho de como se fala

Daí percebi que os conselhos do meu pai estavam mais vivos do que nunca, mesmo eu estando estudando o que sempre sonhei. Não é sempre que dá pra ser o que a gente sonha. Só que eu mudei um pouco a narrativa. Aceitei que, na minha jornada profissional e pessoal, vou encontrar muito mais coisas que vão contra o que eu realmente sonho em fazer, mas eu tenho duas opções: usar isso como impulso e experiência, ou empacar ali mesmo e viver apenas pelo que paga. Às vezes a gente tem que dançar conforme a música esperando chegar na que a gente gosta. 

A verdade é que essa consciência de que "sonhos não pagam boletos" aparece com o tempo, com o amadurecimento da gente. Quando as responsabilidades batem na porta junto com a conta de luz e de internet do mês. Quando você vê que até pra realizar um sonho, você precisa de dinheiro. Cada dia que passa e cada hora que eu fico mais velha, eu entendo meu pai. Entendo o porquê dele ter tido tanto medo de eu escolher algo que não fosse me dar retorno financeiro. Com certeza ele teve que fazer essa escolha quando tinha minha idade, e escolheu o que dava segurança. Por que ele não tinha sonhos? Não. Justamente por ter sonhos ele fez isso, para que eles pudessem chegar a ser possíveis. Um desses sonhos era, com certeza, que eu seguisse os meus. 

+ Vou te levar pra ver o sol

Hoje em dia eu tenho um pouco mais de experiência, no trabalho e na vida, e não estou nem perto de chegar no topo do que sonhei - tá, eu realmente quis um dia ser astronauta. Quem sabe, né… mas também sei que tudo que eu fiz, as coisas que vivi, os projetos - legais ou não - que participei, me ajudam tanto a sobreviver financeiramente e chegar de pouco a pouco onde quero. Não esqueci das coisas que me despertaram amor e interesse quando era apenas uma menina. Uso todos eles como impulso para continuar fazendo o que for preciso para sobreviver e chegar neles. 

E você? Por onde andam os seus sonhos e metas de vida? Ainda estão aí, ou perdidos nas obrigações do dia a dia? Já parou pra pensar que tudo que você faz hoje pode ser um caminho para, finalmente, chegar onde a sua versão de dez anos sempre sonhou? Pensa nisso e depois me diz. Melhor: pense nisso, e depois comece a acreditar. Vai dar certo.

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