Quem somos nós por trás das máscaras? Por Nátaly Neri

Quem somos nós por trás das máscaras? Por Nátaly Neri

Nátaly Neri do Afros e Afins questiona: o que te leva a querer cuidar da tua pele?

Divulgação / Nátaly Neri

O que te leva a querer se cuidar? O que te inspira a, religiosamente, se colocar em frente ao espelho para uma bateria de tônicos, hidratantes e séruns antes de dormir e depois de acordar? O que está por trás das máscaras faciais cada vez mais complexas, importadas, efervescentes e coloridas que passamos a usar?

Às vezes uma vassoura é só uma vassoura. Uma árvore é só uma árvore. Um costume simples, adquirido, que à longo prazo fará bem para o maior órgão do nosso corpo, é só um costume simples, adquirido. Mas às vezes uma vassoura é cenográfica. E uma árvore foi plantada estrategicamente para esconder outras coisas que precisam ser tiradas do campo de visão.

Se existe algum campo da vida em que nem precisamos ir tão fundo para acharmos mensagens, objetivos e desejos subliminares é o da estética (não só ligada à beleza física). Ela é localizada, temporal e suas interpretações podem mudar radicalmente de sociedades para sociedades. Estética sempre existiu, assim como o ideal de o que é belo se transforma frequentemente.

Essas transformações, entretanto, quase sempre escondem os mesmos estímulos e objetivos escusos de outros tempos em novas “roupagens”. E a beleza sempre ressurge - mais tecnológica e atualizada - como forma de “reparo”, não de cuidado.

Um grande exemplo disso foi o movimento que vimos com o que hoje chamamos de “maquiagem Kardashian”. Logo depois de uma icônica foto de Kim Kardashian em seu camarim com inscrições quase que alienígenas em sua testa, tanto a internet quanto a vida que habita também fora dela, foram abaladas.

Existia um segredo, e esse segredo de beleza (dessa vez) não estava somente ligado à cirurgias plásticas. Mas sim à maquiagem e a possibilidade de alterarmos nossos traços e características que trazem personalidade para cada um de nós de uma forma não permanente e aparentemente inofensiva.

O resto da história todo mundo já conhece. Após descoberto o “segredo” do super contorno de Kim de plástica sem cirurgia plástica, nasce uma nova grande tendência de beleza que muda comportamento, mercado (fazendo marcas produzirem produtos mil para se alcançar esse resultado) e consegue chegar até nós, que estávamos de boa com nossos próprios problemas aqui na América do Sul.

Essa não é uma total crítica à maquiagem Kardashianizadora nem à nenhuma kardashiana (seguidoras dessa linhagem estética). Uma vez que pra mim, maquiagem é sobre liberdade e criatividade e a possibilidade de sim, se quisermos, alterarmos tudo na cara e depois voltarmos a sermos como somos. Entretanto, não podemos negar que houve uma total e completa homogeneização de sobrancelhas recentemente (para não entrar em debates ainda mais profundos sobre questões raciais). E o que surgiu como que por diversão, uma tendência inofensiva, colocou várias de nós na maca, buscando micropigmentações e preenchimentos labiais.

E quando não tão longe, fazendo garotas jovens não conseguirem mais se reconhecer sem a sobrancelha talhada na faca, ou trabalho de luz e sombra delicado e artístico feito com os itens de contorno.

Mas e nós? Nós as loucas do skincare que tão facilmente nos gabamos por não precisarmos usar camadas e camadas de base porque nossos poros são estrategicamente fechados e nossa pele cuidadosamente tonificada substituindo primer e belas camada de corretivo? Estamos nós em algum caminho parecido? Que problema haveria em cuidar da pele? Justamente, é cuidado com a pele.

Era exatamente isso o que eu dizia até me olhar de fora. Até conhecer o incrível trabalho de Juno Calypso, uma fotógrafa britânica que passou a expor em sua arte grande parte das novas práticas de rotinas de beleza voltadas ao skincare.

Arusha Gallery

Juno nos representa de uma forma romântica e alienígena. Quem seriam essas pessoas com máscaras na cara, usando lasers, plásticos? Quem são essas novas mulheres saídas de filmes de ficção científica? Me perguntei tudo isso enquanto olhava os primeiros trabalhos de Juno com minha máscara caseira na cara e um outro elástico coreano de silicone por cima para garantir a absorção do produto.

Temos nossas inspirações de pele. Desejamos o brilho suave do tônus e a perfeição da inexistência de poros aparentes. Espinhas? Espinhas são dos piores “problemas de pele” e qualquer uma na cara é a certeza de que nada do que estamos fazendo deu certo e que a rotina de dez passos não está funcionando porque espinhas são a prova máxima da nossa falha enquanto “loucas do skincare” e devem ser exterminadas.

As linhas têm sido cada vez mais tênues entre cuidar e apagar a história que nossa pele nos conta diariamente. Linhas de expressão que vem surgindo, nos falando como temos vivido, espinhas nos contando vez ou outra sobre como anda nossa saúde interna, sobre quanto tempo falta pro ciclo menstrual. A oleosidade, tão demonizada, nos lembrando diariamente que vivemos em um país tropical, que aqui o calor é mais intenso e que o sol nos beija mais de perto, mesmo nos dias nublados.

Cuidar da pele, pra mim, é simplesmente cuidar. É saber que ela se transforma com a vida, todos os dias, e que não há problemas nisso, mas é saber também que ela está exposta a uma série de fatores externos como poluição, sol em excesso e produtos nem tão bons pra ela diariamente e que podemos cuidar para manter o equilíbrio.

Quais são os caminhos que estamos nos levando quando estabelecemos um "goals de pele” e queremos também homogeneizar nossos poros assim como fizemos com as nossas sobrancelhas? Dá pra ter um goals de pele?

Bem, creio que dá pra se inspirar em como alguém cuida de sua própria pele. Entendendo que os objetivos alcançados com as nossas, vão falar sobre nossas vidas, sobre nossa forma de viver, afinal, como você já deve ter ouvido por ai insistentemente: pele é um órgão. E órgãos contam a história da nossa vida. Quão estranho seria termos goals de fígado?

Declaro abertamente que amo máscaras faciais, produtos pensados para a minha pele e não há problema nisso. Mas de quantas coisas precisamos para deixar nossas peles serem o que são? Será que muito? Eu acredito que não.

O que te leva a querer se cuidar? O que te inspira a, religiosamente, se colocar em frente ao espelho para uma bateria de tônicos, hidratantes e séruns antes de dormir e depois de acordar?

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