A pandemia e a invasão domiciliar

A pandemia e a invasão domiciliar

E se a gente parar de cobrar tanta perfeição de nós mesmos o tempo todo?

Outro dia no Twitter vi um post sobre a pandemia que ficou fixado na minha cabeça. Ele dizia algo do tipo: não foram seus filhos que invadiram seu espaço de trabalho. Foi o seu trabalho que invadiu o espaço da sua família.

Acho que nunca tinha pensado nisso por, na verdade, trabalhar em home office há 13 anos (desde os primórdios do Petiscos). É o meu (nada novo) normal. Em 2020, porém, tudo ficou muito mais intenso: com a pandemia, muita gente aderiu ao trabalho remoto quando possível, e foi aí que, mesmo tão distantes, nunca estivemos tão enfurnados dentro da casa um do outro.

Não me esqueço da minha reação imediata no início da quarentena: planilhas tentavam firmar horários e ordem de tudo o que deveria ser feito com as crianças. Zoom, dever de casa, almoço, tarefas domésticas... Crianças, afinal, precisam de ordem e rotina. Depois de um tempo, meio que entramos no nosso ritmo e as planilhas foram descoladas da porta da geladeira. As tarefas eram cumpridas sem precisar de tanta disciplina assim.

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É que 2020 não veio com manual de instrução ou tabelinha para ajudar a gente a lidar com semanas atrás de semana tão distantes da normalidade. Foi como se a gente tivesse dirigindo um carro a 130 km/h com uma venda nos olho. Quantas vezes não nos ouvimos falando: "As crianças precisam saber que isso não é férias, a vida continua, hein?" Continua mesmo? Tá normal mesmo?

Foi libertador entender que não. Foi um alento entender que iam ter dias em que iríamos acordar um pouco mais tarde ou as crianças iam ter iPad numa terça-feira à noite. Ou que a inspiração para um texto ia bater a uma da manhã, depois de ver um seriado para desligar a cabeça. Que eu ia engordar. Paciência.

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No meio de tanta pressão, a gente foi vendo o quanto se cobra, o tempo todo. A casa tem que estar lindíssima e arrumada como as dos filmes da Nancy Meyers. Deveríamos querer acordar às cinco da manhã para fazer o dia render mais. Deveríamos meditar, fazer exercícios, dar show nas reuniões, ser os primeiros alunos da turma da faculdade, entregar deveres de casa incríveis das crianças, ensiná-las artesanato... Ah, e todas as refeições têm que ser saudáveis à risca, sempre. Pegue o tempo livre e aprenda uma nova língua ou hobby. Mas afinal, é tempo livre ou não é?

Sinto informar, mas estamos vivendo uma pandemia e tá tudo uma zona. E, pelo andar da carruagem, não há uma data para isso acabar tão cedo. Sim, precisamos de ordem no meio do caos, ou vamos enlouquecer mesmo - e talvez por isso mesmo o skincare tenha servido como uma terapia real na pandemia: dá uma sensação de ordem e disciplina, de um momento calmo seu com você mesma. Um ritual diário com seus passos e funções.

Mas mais do que nunca, é importante encontrarmos um equilíbrio: descobrir quando se produz mais e melhor, se dar um tempo entre tarefas se for ajudar, parar para almoçar sim, e saber que na hora que você fechar o computador pra jantar, fechou seu dia de trabalho também - por mais que seu quarto ou sua sala tenham virado seu ambiente profissional. Posso contar um segredo? O mundo não vai desabar se um Whatsapp não for respondido em menos de dois minutos.

Mais do que tentar alcançar a perfeição, esse pode ser um momento importante pra gente entender nossos padrões e como a gente funciona melhor no meio da bagunça - mesmo que pareça uma bagunça aos olhos dos outros. Pra gente entender que tudo bem pedir ajuda quando precisa, que tudo bem dizer não ou assumir quando não conseguiu dar conta de uma tarefa específica ainda.

Que em 2021 a gente tenha paz de espírito pra errar sem se martirizar, pra acertar sem exigir o mesmo dos outros o tempo todo e para aprender um pouco mais sobre nós mesmos. Porque do contrário, vamos apenas continuar exaustos.

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