Você sabia que existem fonoaudiólogos especializados em tirar o sotaque nordestino de pessoas? Pois é, eu não sabia disso. Fiquei sabendo quando entrei numa sala aleatória do Clubhouse. A primeira coisa que me falam quando começo a falar nessas salas é: "Que sotaque lindo, Carol!", "Eu amo sotaque nordestino", "Queria ter esse sotaque!", já me acostumei até. É legal, confesso. Até que nesse dia conheci uma nordestina que também estava falando na sala, e eu só soube que ela era daqui do Nordeste porque ela disse, já que não existia sotaque nordestino algum na sua voz.
"Eu sou jornalista. Quando vim morar em São Paulo, recebi muitos nãos por conta do meu jeito de falar, pelo sotaque mesmo. Daí fiz anos de fono, e hoje percebo que não tenho quase nada de Nordeste na minha fala", disse ela.
Por um momento, fiquei refletindo sobre isso. Isso é triste. Algo cultural, característico de uma região, precisar ser retirado para o profissional poder existir no mercado de trabalho. Com 21 anos hoje e no início da minha carreira jornalística, confesso que fiquei com um pouco de medo após essa informação.
Hoje em dia as pessoas elogiam meu sotaque, principalmente as pessoas do Sudeste. Fico com um pé atrás, porque muitas vezes parece tão forçado que eu leio mais como um desencargo de consciência. A xenofobia está enraizada, não é, minha gente? E é uma pauta tão pouco conversada que muitas pessoas nem enxergam como um problema.
Quando comecei a pensar em ser comunicadora - bem ali com os meus 14, 15 anos - isso não era uma questão para mim. O meu sotaque. Meu jeito de falar. Ser pernambucana, falar arrastado. Mas olhando as referências nacionais, comecei a sentir falta de me enxergar nos profissionais que possuem destaque no Brasil - nesse caso, me ouvir.
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Coincidência ou não, comecei a trabalhar com escrita. Não dá pra ouvir meu sotaque por aqui, não é mesmo? Então, tá bem guardadinho. Mas isso não significa que eu tenha vergonha do meu jeito de falar, do "genti" ao invés de "gentxe", do meu "oxente". Quando estou no Clubhouse e começo a falar, não mudo em nada o que é meu de origem. Se chegam elogios, eu os aceito - mesmo que existam pessoas que não estejam sendo sinceras. Tudo isso, sem esquecer de onde vim, sem apagar o que há de melhor na minha fala, no meu jeito, e no meu falar.
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Um dia espero poder levar essa característica tão legal minha até os maiores portais de comunicação, até os jornais mais famosos do país, o canal mais famoso da TV aberta. Assim, quem sabe eu possa virar referência e meninas nordestinas possam se ver em mim. Ou melhor: se ouvirem.
Que tal começar a ouvir e respeitar uma nordestina agora mesmo?