Vou te levar pra ver o sol

Vou te levar pra ver o sol

O que acontece quando você junta o sol e o amor... Em João Pessoa? Carol Figueiredo te conta.

Pode uma cidade ficar mais bonita por conta de uma pessoa? O sol brilhar mais bonito por conta de alguém? Um dia se tornar especial e acontecer da melhor forma apenas para um momento inesquecível acontecer entre duas pessoas? Não sei, mas naquele dia tudo isso foi uma realidade.

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Quando conto essa história aos meus amigos ou a quem quer que seja, muita gente fica impressionada e diz que parece coisa de livro. Estamos no mês do amor! Dia dos namorados chegando… e embora eu seja uma romântica assídua e uma escritora que tende sempre a preferir escrever o gênero romance e ficção, eu prometo a você, caro leitor, que nesse texto eu contarei apenas a verdade. 

Quando cheguei em João Pessoa pra morar, algumas pessoas me falaram sobre essa cidade ter um sol diferente. Eu não entendia aquilo - afinal, como pode o sol de um lugar ser diferente dos outros? Principalmente por ter vindo de uma cidade que o sol era tão quente que rachava o chão - alô Serra Talhada, sertão de Pernambuco -, a única característica que eu analisei pra ver se de fato o sol daqui ser diferente era ver se era mais quente que na minha cidade. E não, não chegava nem perto. Fato importante: João Pessoa está localizada no ponto mais extremo ao leste do Brasil, onde o sol nasce primeiro nas Américas – antes das 5h. Então, de fato, quando o Brasil inteiro ainda está dormindo, o sol por aqui dá um lindo "bom dia".

Fui vivendo os meus dias aqui, acordando cedo pra ir pra faculdade, me irritando com a claridade do sol, muitas vezes gostando de quando estava chuvoso e nublado porque assim eu não me queimaria tanto no caminho a pé que eu fazia todos os dias. 

Daí eu conheci uma pessoa. 

Nos conhecemos em um aplicativo de paquera. Vai, eu tinha 19 anos e não ligava muito pra essas coisas. Acreditei que ele também estava querendo se divertir, então não criei muitas expectativas. As intenções eram as mesmas: beijinhos e tchau. Demos match, mas não conseguimos nos ver exatamente no dia que isso aconteceu. Ele me contou que estava em Recife, que precisava se consultar porque estava em meio a um tratamento de uma doença na córnea que prejudicava muito a visão dele. Então, passamos duas semanas conversando pelo WhatsApp. Das poucas experiências que tive conversando com pessoas de aplicativo de paquera, nenhuma havia sido da forma que era com ele. Eu tinha muita vontade de conversar com aquela pessoa o tempo inteiro, e ele parecia estar, de fato, na mesma página que eu. 

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Ele me contou histórias da sua vida, eu contei da minha. Engraçado que, mesmo nunca tendo visto aquele cara na minha vida, parecia que eu o conhecia desde sempre. O seu jeito de enxergar o mundo era bem parecido com o meu, mesmo que nós fossemos muito diferentes. Quando enfim nos encontramos pela primeira vez, confirmei o que eu já estava sentindo após tantos dias conversando de longe: eu queria muito mesmo, muito mesmo continuar dividindo experiências e vivendo coisas ao lado dele. 

Passamos muitos dias saindo e conversando e dando beijinhos e coisinhas mais, o que sempre foi muito divertido porque era tudo muito fácil, tudo muito conectado. No entanto, quando você convive muito com alguém, você começa a conhecer partes daquela pessoa que nem sempre outras pessoas conhecem. Percebi que aquela doença que ele havia me contado não era uma simples miopia - que pra mim nunca foi simples, já que eu sou completamente míope e tenho muita dificuldade de enxergar. Ceratocone é uma doença que prejudica muito a visão, e logo eu identifiquei o maior medo da vida daquele homem:

"Eu tenho muito medo de deixar de enxergar", Marcelo me disse um dia. 

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Em todas as relações amorosas que tive em minha vida, eu sempre busquei intensidade. Procurava formas de sentir que eu estava em um romance escrito, caçava motivos para me sentir parte de uma história trágica e bela que tivesse um final feliz. Nunca consegui. Talvez, aquelas pessoas que eu procurava tanto ter algo intenso não estavam escritas na história principal da minha vida. Do nada, quando eu deixei de procurar, quando eu simplesmente aceitei que romances assim só acontecem em livros, em filmes e em séries, eu conheci Marcelo, um cara que escrevia músicas e poemas, que viajou o Brasil inteiro com os pais procurando um lugar para se firmar, e que tinha medo de deixar de enxergar porque isso, de fato, era uma possibilidade. 

Estar em uma história de fato muito intensa assusta. Principalmente porque essas histórias acontecem sem você arquitetar, quando você se dá conta você está inserida nela. 

Depois de três meses ficando, as coisas começaram a ficar mais sérias, principalmente porque Marcelo me incluiu em sua vida de uma forma que você só inclui quando realmente quer alguém em sua vida. Do nada eu me vi em sua rotina, o ajudando a fazer e viver coisas, e sendo ajudada por ele também. E eu percebia que, de fato, aquele medo de deixar de enxergar estava se solidificando. Cada dia que passava ele tinha mais dificuldade de fazer coisas. Seus olhos doíam, e eu acabei pegando esse medo pra mim também. Não conseguia imaginar um mundo onde eu não pudesse ver coisas ao lado dele. E uma vez sendo vista por ele, não conseguia imaginar uma vida sem ser enxergada pelos seus olhos. 

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"Não existe nenhuma forma de reverter essa situação?", o perguntei.

"Existe!" 

Marcelo já estava na fila do transplante desde 2018. No entanto, o transplante seria para o olho direito, que já estava muito prejudicado. O olho esquerdo tinha a ceratocone avançando dia após dia, mas ela podia ser pausada. Uma cirurgia chamada crosslink podia fazer isso. É uma cirurgia bem invasiva, mas funciona. Em setembro, ele me disse que ia passar por esse procedimento. As chances de dar errado eram poucas, mas existiam, e a gente estava com muito medo. 

Lembro de estar profundamente irritada com ele porque ele ainda não havia me pedido em namoro. Besteira? Não sei, mas eu sempre fui uma pessoa pé atrás com tudo e não sei se conseguiria me voluntariar para ir visitá-lo na recuperação da cirurgia se eu fosse apenas uma ficante. E também não me sentia no direito de cobrar algo, porque tudo que ele pensava era na possibilidade do crosslink não dar certo. De ele perder a visão do olho dele que era menos prejudicado pela ceratocone.

Estava na minha casa pensando em como fazer algo para dar forças a ele naquele momento tão delicado. O primeiro apartamento que morei aqui em João Pessoa tinha uma vista muito bonita para o pôr-do-sol. Lembro de estar em frente a janela do meu quarto olhando o sol ir dormir, e pela primeira vez senti aquilo que todo mundo me dizia quando cheguei aqui: o sol de fato era mais bonito, especial, brilhante, até mesmo na hora de se pôr. 

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"Se for pra enxergar uma última coisa ao lado dele, que seja então o sol daqui. No fim das contas, eu aprendi a ver a beleza deste sol porque o conheci", pensei. 

No dia 26 de Setembro, um dia antes da cirurgia, o convidei para passear no centro da cidade. Tem um lugar aqui em João Pessoa que se chama Hotel Globo. Eu já havia ido ver o pôr-do-sol lá uma vez, mas estava nublado. Naquele dia, o céu estava limpo e o clima estava ameno. Chegamos alguns minutos antes do sol se pôr e ficamos conversando, falando sobre mil coisas como sempre fizemos. Do nada, muita gente se juntou naquele lugar e a gente percebeu que a mágica ia acontecer. Começamos a sentir a luz do sol se esvaindo, e eu fixei meu olhar no encontro do sol com a linha do horizonte. Tinha um quentinho no meu peito que eu nunca havia sentido, e eu sei que tinha muito a ver com o combo "sol + amor". Queria esperar o sol se pôr para poder voltar a olhar para ele, porque queria muito que ele aproveitasse aquela vista. Mas, em certo momento, tive muita vontade de ver a sua reação. Quando virei para ele, ele estava olhando para mim. 

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Fixamente para mim. 

"Se nesses tempos eu deixar de enxergar,
o teu sorriso foi a coisa mais linda que eu já vi"

Se Avexi Não - Filosofino feat. Fontes

Desde aquele dia o nascer e o pôr-do-sol possuem significados muito especiais para nós dois. Foi naquele dia também que começamos a namorar oficialmente. No entanto, a nossa história havia começado há muito tempo, e não estava nem perto de terminar.

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Se você quer saber, a cirurgia deu certo, Marcelo está enxergando melhor do que nunca. Inclusive, ele passou pelo transplante de córnea mês passado, e os seus dois olhos estão funcionando muito bem! Melhores que os meus, detalhe. E tudo que a gente faz é muito significativo, principalmente ver as coisas. Um dos nossos sonhos é sair por aí, pela Paraíba, pelo Nordeste, pelo Brasil e pelo mundo vendo o sol se pôr de diferentes lugares e perspectivas. Mas uma coisa a gente tem certeza: nunca vai existir um pôr-do-sol mais bonito e brilhante do que o do dia 26 de setembro de 2019. 

No fim das contas, eu acredito sim que o sol brilha mais bonito por conta de alguém. Um grandíssimo obrigada ao Marcelo por ter me feito enxergar o sol mais bonito e brilhante que eu já vi na minha vida. 

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