Nosso relacionamento com a beleza e com a nossa pele, se tivermos sorte, será sempre uma metamorfose ambulante. Vamos carregando na nossa pele e na nossa rotina coisas que vamos aprendendo ao longo da nossa vida. Uma amiga que ensina isso, um amigo que te dá o truque perfeito para aquilo, aquele conteúdo da internet que te mostra tudo sob um novo ângulo, um filme, um roqueiro, um livro. Gosto de viver pensando que tudo ensina alguma coisa pra gente.
Nada parece ensinar mais, porém, do que filhos. Você se vê fazendo coisas que jamais faria e explorando caminhos completamente novos. Ver minhas filhas crescerem e se transformarem, aos poucos, em pessoas de personalidade definida, donas de seus desejos e seus mundos, tem sido uma aventura muito incrível - em todos os sentidos. Entre eles, a beleza e como a gente lida com todos os elementos desse universo.
Minha filha mais nova, de quatro anos, e eu compartilhamos de muitos gostos: pelo Tom Petty, por pipoca, por usar glitter como se não houvesse amanhã, por bolsas de pelúcia, sapatos que brilham e saias que podiam ser da Minnie Mouse. Por rir até a barriga doer.
Ela ama maquiagem. Não me lembro se eu amava maquiagem tanto quanto ela na idade dela - e com tantas discussões em torno de uma opressão que a maquiagem pode exercer sobre a autoestima de uma mulher, sempre tomei cuidado com as palavras a cada vez que ela me perguntava o que eu estava fazendo quando passava uma base no rosto, e por quê.
Mas é dela. Aos poucos ela foi desenvolvendo esse interesse, e hoje tem seu próprio nécessaire, com muita sombra colorida em tons pastel, gloss transparente com glitter delicado - tudo formulado para crianças, claro. Seus olhos brilham, porém, quando ela me pega desatenta e brinca com meus batons de cores saturadas. Ela ama pegar meus cremes e sentir seus cheiros, suas texturas, saber em que lugar passar cada um: "para que serve esse, mamãe?"
Vivenciar a descoberta desse universo da beleza e de uma menina de apenas quatro anos começando a se descobrir em frente ao espelho, usando batons, pincéis de blushes e glitter como cores de aquarela e seu rosto como uma tela me coloca em contato com os nossos impulsos mais primitivos - sejamos nós homem, mulher ou não-binários.
Há, como eu disse, muito estigma em torno da relação das mulheres com a maquiagem, mas ver uma relação tão pura e livre de censura ou complexos me faz sentar-me ao lado de uma menina de quatro anos e simplesmente observar como ela está descobrindo seu rosto. Como a maquiagem é expressão, e como talvez parte de mim esteja passando por esse reboot e começando tudo de novo.
Há quem diga "Sendo filha de quem é, não tinha como não ser assim!", mas discordo. Sim, talvez haja essa influência por ela ter visto repetidas vezes me maquiando, mas é preciso vermos nossos filhos como organismos independentes de nós. Minha filha mais velha, por exemplo, não gosta de se maquiar e não se anima muito com minhas gavetas. O negócio dela é criar histórias ("Sendo filha de quem é", risos...).
Tento não interferir muito além de deixar bem claro para ela que, por enquanto, maquiagem é para brincar em casa, e apenas para isso mesmo: brincar. E que os cremes da mamãe ela só pode passar na mão, e mesmo assim, só alguns deles, que tem a textura geladinha ou cremosinha. Mas não sinto que preciso ressaltar esse lado: para ela, maquiagem, a textura do creme noturno... Tudo é uma brincadeira, uma descoberta, sem qualquer referência ou pressão externa senão a própria cabecinha dela. E deixá-la trilhar seu próprio relacionamento com algo que pode ou não fazer parte integral de quem ela vai ser é o mínimo que eu posso fazer.
O único lado ruim é que meus pincéis de blush ficam sujos de sombra azul com glitter e volta e meia, me maquiando, cada pincelada pode ser uma surpresa. Enquanto a surpresa for só uma bochecha colorida, tá ótimo.