Faz tempo que vivemos na era do imediatismo: queremos um jantar, tem um app que entrega. Um motorista particular para nos levar a algum lugar? Em cinco minutos, com sorte, ele está na porta da sua casa. Seu artista favorito lançou disco novo? Imediatamente está prontinho para ouvir em streaming, sem pirataria. Assistir uma temporada inteira de seriado? Dá também. Uma pele instantaneamente"perfeita"? Há muitos filtros do Instagram para isso.
A gente quer tudo, e a gente quer agora. Prático, sem dúvida, mas como será que isso alterou nossa relação com o tempo? Quanto tempo é considerado muito para respondermos uma mensagem no Whatsapp? Quanto tempo damos para nosso cuidado com a pele mostrar resultados? Sim, o imediatismo que se enraizou no nosso cotidiano afetou até isso: a nossa relação com a nossa pele.
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Quando um procedimento te ensina que resultados imediatos não são a meta
"Eu estou fazendo laser no rosto. Já fiz algumas sessões, e mesmo após um tempo ainda cresce barba, numa frequência maior do que eu esperava", conta Lucas Silvestre, sobre essa sensação de imediatismo e beleza. "Quando comecei, era muito doido, porque eu me via nos filtros e a pele estava sempre lisíssima. Mas aí você se olha no espelho e dá de cara com a realidade - tem barba, tem pelo, tudo que to querendo tirar".
Com o tempo, porém, Lucas foi entendendo que fazer a remoção de pelos do rosto com laser leva mais tempo, e é preciso ter paciência: "Tenho que usar uma frequência da máquina bem fraca. Por ser no rosto, por minha pele ser sensível, por ter a pele negra, e um tratamento mais forte pode criar feridinhas".
Para Lucas, esse imediatismo que a gente tanto busca quando olhamos para nossa pele acontece por já estarmos tão acostumados às distorções das redes sociais - a não ver o processo, só o resultado, fazendo com que tudo pareça rápido e simples de alcançar. "Acaba que a gente quer essa mesma evolução, quer atingir os mesmos padrões de outras pessoas. Tenho trabalhado processos, tentado entender o que estou fazendo agora, onde quero chegar e o tempo que vai levar. E aí, sejam três semanas ou dois anos, tá tudo certo, desde que a gente consiga se conectar com a gente mesmo no processo e em tudo que a gente está fazendo".
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Tássio Santos, emenda a conversa sublinhando a importância de entendermos o que é um efeito imediato e efêmero e o que precisa de uma margem de tempo para mostrar resultados. "Tem dias que eu também quero um resultado mais instantâneo - quando vou gravar algum conteúdo por exemplo. Mas sei que o que vem fácil, vai fácil. Tendo a ter um pouco mais de paciência para ver os resultados de um novo produto, e já percebi que os que mais demoram pra dar resultado são os mais efetivos, acredita?", ele conta, concluindo: "Os filtros do Instagram definitivamente têm um dedo nisso, pois basta arrastar o dedo para o lado e boom! A pele tá lisinha, sem definição e nenhuma linha, o que de certa forma é negar característica humanas".
Quando os filtros do Instagram se confundem com a realidade
O que pode ser problemático quando falamos de filtros do Instagram não é diversão de orelhas de cachorrinho ou um cabelo colorido, sardinhas ou uma maquiagem instantânea: é quando os filtros do Instagram se confundem com realidade - e mais sério ainda, com uma realidade que dá a ilusão de ser alcançável.
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Máqui Nóbrega sentiu essa linha entre realidade e truquinho de filtro ser borrada há poucos meses: "Eu usava muito um filtro específico nos Stories, que tinha glitter nos olhos. Até o dia em que fiz um publi da Sallve em que eu estava com a pele limpa, sem filtro, para as pessoas verem minha pele de fato como ela estava naquele dia, usando aquele produto. Algumas pessoas me mandaram mensagens, falando que minha pele estava muito vermelha, perguntando o que tinha acontecido e falando que o produto tinha dado problema na minha pele", relembra Máqui.
"Mas a minha pele é vermelha, porque eu tenho rosácea. Foi aí eu percebi que eu usava tanto aquele filtro que as pessoas achavam que a minha pele era aquela do efeito. Nesse dia eu fiquei tão passada com isso que decidi não usar mais filtro", conta Máqui, que parece ter criado um relacionamento ainda mais íntimo com a sua pele ao abrir mão do filtro durante a pandemia. "Acho que não me ver todos os dias com aqueles filtros ou com aquele filtro, hoje em dia me olho no espelho sem nada e isso me parece o natural".
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O filtro em questão, usado constantemente, não afetou apenas a forma como os outros viam a pele da Máqui, mas também como ela mesma se via: "Antigamente eu usava maquiagem quase todo dia e usava os filtros mesmo sem maquiagem, então quando me olhava no espelho com a pele limpa eu também ficava achando minha pele vermelha demais, sabe, achando que tinha algo errado com a minha pele", ela conta. "O fato de eu não usar mais filtros e usar menos maquiagem fez com que eu visse minha pele de uma forma mais gentil", afirma. "Agora é estranho, quando boto um filtro pra zoar, acho tão esquisito e tão 'não eu', que minha pele limpa, sem efeito, virou o natural - tanto no espelho quanto no Instagram".
Os efeitos mais profundos - e potencialmente sérios - da profusão de filtros
Para Amanda Pris, filtros do Instagram deveriam ser apenas aliados para que a gente possa se divertir com as possibilidades de autoimagem, para brincar em momentos de descontração: "Infelizmente as coisas tomaram outras proporções, quando nos vemos por um prisma em que instantaneamente a nossa autoimagem é o que a nossa sociedade considera 'perfeita' - mesmo sabendo que ali temos um retoque de nariz, de olho, boca e a famosa pele perfeita', sem poros, com tons completamente uniformizados, blush e quase sempre muito efeito blur", analisa. "É onde começamos a perceber que existe uma uma espécie de prisão relacionada a esses modos de compartilhar a vida em uma plataforma social. Estudos apontam que o que era pra ser apenas uma brincadeira acaba se revelando sério com transtornos dismórficos relacionados aos filtros. Estamos fixados na visão robotizada de nós mesmos".
Amanda Pris contribui com a conversa levantando dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, que apontam que houve um aumento de 141% nos procedimentos estéticos entre jovens de 13 a 18 anos nos últimos dez anos. Não por coincidência, essa mesma faixa etária é grande parte da população ativa nas redes sociais: "Em muitos desses casos as pessoas já chegam nos consultórios médicos com suas fotos manipuladas através dos filtros como referência para poder fazer uma cirurgia plástica estética. Tudo isso me soa muito preocupante. Esse tipo de dismorfia é muito delicado, porque existem muitas pessoas que passam a vida inteira se questionando sobre a sua real beleza, não acreditando que ela merece amor e cuidado".
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Dra. Carla Vidal confirma: "Há pacientes que tiram uma foto com filtro, trazem para o consultório e dizem que querem ter uma pele igual àquela. Mas aquela foto não é real". Entre os procedimentos cada vez mais procurados por pacientes que querem estar perfeitas para a selfie do Instagram, a dermatologista aponta tratamentos para a diminuição dos poros: "Elas apagam com os filtros, mas eu tenho uma máquina que te mostra como a sua pele é, de verdade. Meu objetivo é tratar para diminuir a glândula, e com isso diminuir o poro. Mas elas não querem fazer um tratamento, querem algo imediato, como sair da clínica com a pele perfeita no mesmo dia, e isso é impossível, por exemplo, se você tem a pele muito oleosa. Para isso você continua usando um filtro. É preciso estudar a pele e a partir dela desenvolver um tratamento".
Para a Dra. Carla, a preocupação com o aspecto da pele, quando motivada pelas selfies e Instagram, é totalmente superficial: "Elas querem a estética mas não o tratamento. Não querem passar creme nem ter trabalho, mas isso é jogar a sujeira para debaixo do tapete. A gente pode passar o Dermablend e você fica perfeita, mas por baixo não está bom. Você está perfeita só para aquela foto. Só que a gente pode tratar para deixar a pele boa sem filtro", afirma, citando até o transtorno obsessivo compulsivo como uma consequência direta da fixação por padrões inatingíveis das redes sociais: "Tenha o pé no chão. Saiba como você está de verdade, ao invés de se enganar. Colocar botox em uma pele que não está pronta para isso, por exemplo, é como colocar uma cereja no bolo que não está pronto ainda. É preciso ter muita consciência", finaliza.
No último mês, a influencer Faye Dickinson lançou um filtro que fez com que muitos questionassem os próprios filtros do Instagram - o Filter Vs. Reality: ele retocava apenas a metade do rosto do usário, deixando a outra natural. O resultado, lado a lado, levantou a questão em sua própria rede, e entre todos que entraram na brincadeira o questionamento e as reflexões foram os mesmos: estamos aspirando algo totalmente fora da realidade, traçando como ideal versões fakes de nós mesmos. Será que isso faz bem pra nossa cabeça? (Vale dizer que todo mundo que usou o filtro comentou preferir, lado a lado, suas imagens reais, sem retoques <3).
O tempo está do nosso lado (já dizia Mick Jagger)
Amanda analisa: "Esse imediatismo revela que muitos de nós infelizmente não queremos nos dispor a cuidar de nós mesmos, pois isso requer um investimento de tempo, em que você só vai conseguir colher os frutos através da disciplina e calma para aguardar o corpo reagir aos cuidados diários. Cuidar de você mesmo e da sua pele é considerar o autocuidado como aliado ao seu bem-estar geral à longo prazo, para que a sua pele, cabeça e coração possam andar de mãos dadas em harmonia, não deixando que nenhum filtro e nenhuma rede social nos faça questionar a doce delícia de sermos quem somos, lindos em nossos detalhes".
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Aliás, esse aspecto do tempo e da paciência são justamente o que fascinam Julia Petit quando se fala de pele: "Acho que a coisa mais legal de cuidar da pele é que você precisa prestar atenção e ter paciência, esperar o tempo passar", ela diz. "A pele não muda de uma hora pra outra, como acontece com a maquiagem. É lógico que muitos produtos, até os nossos, têm algum efeito imediato - até para dar um pouco de satisfação, senão também, o que seria da nossa vida? Mas o mais legal é que você precisa esperar", garante Julia.
"Não adianta você comprar um monte de produto ao mesmo tempo e começar a usar tudo junto, porque você não vai saber o que está funcionando. Você precisa esperar. Tem produtos que demoram duas, três ou até quatro semanas para atingir sua efetividade", ela ensina, ressaltando que nossa relação com a pele não é curta e mágica: "É para sempre. Aprender a cuidar da pele é aprender a ter paciência com ela, a ver o que a muda - se é o que você está comendo, ou bebendo -, se o seu humor muda a sua pele, se os hormônios, tratamentos e cosméticos mudam ela. Para compreender tudo isso você tem que ter paciência, tem que deixar o tempo passar, tem que olhar com carinho a pele, tem que observar e gostar de observar. Ver o que está melhorando e piorando, dar esse tempo para a sua pele, e entender que cada pele tem seu tempo para reagir. Você se dar esse tempo é muito importante".
Tempo: um ingrediente que não custa nada e que é tão essencial para a nossa jornada da pele. Filtros do Instagram podem ser divertidos, mas será que já paramos para pensar em como eles afetaram nossa relação com a gente mesmo? Só esse questionamento pode ser um bom ponto de partida para um relacionamento saudável e recíproco com a nossa pele.