Por: Gabi Menezes (@gabimenezes)
Eu sempre me senti inadequada. Quando criança era magra demais, abaixo do peso, da estatura, pequena demais, tímida e brava demais. Na adolescência o fator crescimento me deixou alta demais, com o corpo grande demais - a genética não falha - falando com a voz mais grossa que as minhas amigas de colégio não tinham. Todas eram tão magras, delicadas, falavam baixo, mal falavam, nem bullying sofriam. Eu sempre me senti um peixe fora d'água numa cidade que era pequena demais pra mim.
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Durante toda a faculdade de psicologia eu já tinha entendido: o que restava era estudar, me formar, ir embora, ganhar dinheiro e viver sozinha. Óbvio que esse entendimento não surgiu “do nada”, e sim de todas as vezes que ouvi de parentes e pessoas próximas que "Com esse corpo ninguém vai querer ficar com você", "Você precisa emagrecer pra poder encontrar um namorado", "Seu rosto já é tão bonito, emagrece um pouco pra você encontrar um cara legal" ou "Assim? Desse jeito? Vai ser difícil alguém gostar de você!"
Com 18 anos e tanta gente falando isso por tanto tempo, uma hora você começa a acreditar naquelas palavras, mesmo sempre tendo uma resposta na ponta da língua para todas: eu não me importava. Mas eu me importava, no fundo, sabe? Tinha uns amigos que me chamavam de "bem resolvida", pois eu era muito segura de mim. Mas eu era só uma jovem cheia de inseguranças e que tinha se conformado que tudo bem sair pra balada pra me divertir - foco não é conhecer ninguém, já que ninguém vai gostar mesmo.
Durante toda a faculdade eu engordei bastante. O foco ali não era ser magra - era terminar os cinco anos que me propus a fazer, entregar trabalho no prazo, fazer estágio. Isso traz consequências de só quem vive, sabe. Noites mal ou nem dormidas, alimentação na hora que dá, correr só se for pra chegar na hora do estágio ou dos atendimentos clínicos. Terminei a faculdade com ótimas notas e vejam só, com um novo amor.
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Com a auto-estima de centavos eu encontrei o amor da minha vida, mesmo não acreditando, mesmo as perguntas mudando para “Mas ele gosta de você desse jeito?”, “Ele não reclama que você é gorda?”. E eu tinha que negar todas essas perguntas pois aparentemente ele gostava - gosta até hoje - de mim com todos os atributos que eu tinha. Ser lembrada por outra pessoa que você é toda bonita e não só seu rosto, e que você além do seu corpo é toda interessante e legal me deixava feliz e assustada ao mesmo tempo. Será que era de verdade, era real? É possível mesmo alguém me ver além do meu corpo?!
Como a nossa auto-estima faz com que a gente se ache inadequada por tantos e tantos anos! E isso é reforçado em todos os lugares, pelas pessoas que você ama e pelas pessoas que nem te conhecem, a troco de apenas continuar abalando suas estruturas perante quem você é. Eu nunca me odiei, nunca aceitei dieta maluca, nunca tomei nada que me fizesse emagrecer. Eu via várias pessoas se martirizando por isso e uma pergunta que sempre me vinha à cabeça: “Porque eu preciso mudar pra alguém gostar de mim? Eu preciso mesmo me adequar ao que querem?” Eu sou aquariana, sabe, eu quero mesmo é me rebelar, ir contra ao que todo mundo diz que é o único caminho certo. Eu sempre fui um peixe fora d'água na maneira de pensar sobre essas questões e eu achei que estava sozinha no mundo até que o momento aconteceu. Naquele momento que a chave vira.
Em 2016 eu já estava morando em São Paulo havia 2 anos, estava casada com o amor da minha vida, trabalhando numa área fora da Psicologia e tentando descobrir onde encontrar roupas pro meu tamanho. Todo mundo do meu antigo trabalho elogiava as roupas que eu usava. A pessoa gorda tem que tirar leite de pedra pra se vestir minimamente bem. Para qualquer trabalho.
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Postar sobre meus looks, sobre os looks que eu queria vestir, sobre mulheres gordas que eu já amava o estilo, a história no Instagram me trazia conforto. Um belo dia, apareceu um evento que mudaria a minha vida para sempre e completamente: o Pop Plus, uma feira de moda plus size. Era um domingo e eu queria muito encontrar uma saia midi, e entrei lá destinada a encontrá-la.
Ao entrar, eu só sabia chorar e ficar incrédula com o tanto de mulheres parecidas comigo que eu pude ver ao alcance dos meus olhos, brilhando. Era ali, era naquele momento, que eu encontrei água suficiente para ser mais um peixe naquele lugar tão meu, tão de todas as pessoas que sempre se sentiram inadequadas, gordas demais, altas demais, que falam alto demais. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Eu saí de lá com a minha saia midi que cabia perfeitamente em mim e mais tantas coisas boas juntas que entendi ali que meu trabalho como criadora de conteúdo era importante. Que eu precisava falar pra outras mulheres que tá tudo bem ser quem a gente é, que a gente pode sim viver a nossa vida com o corpo que a gente tem naquele momento e não esperar pra viver depois quando um dia tiver um corpo que não existe.
Comecei a estudar ativamente sobre o movimento body positive, fat studies, corpo livre, gordoativismo, gordofobia no Brasil. A cada nova leitura fui entendendo o quanto meu corpo era dissidente dentro de uma sociedade que não quer que pessoas gordas existam. Pessoas gordas e especialmente mulheres gordas sofrem diariamente com gordofobia no Brasil e no mundo e que mesmo entendendo no CID que a obesidade é uma doença, por qual motivo pessoas eram tão maltratadas, mal vistas, estigmatizadas por uma questão que não pode se jogar uma culpa sobre si mesma.
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Com meu corpo gordo eu estudei, me formei, me mudei de cidade, trabalhei, casei, me tornei mãe, vivi experiências incríveis e todas na potência que meu corpo me dá. Abracei, beijei, viajei, fiz novas amigas gordas, pude experimentar tantas coisas que na fala de muitas pessoas que não querem que pessoas gordas existam, isso é romantizar a obesidade. Isso pra mim é viver, trazer humanização, entender que a gente pode sim, mesmo que tanta gente diga não.
Eu comecei a querer contar pra todo mundo, e passei a entender a importância que o meu papel como psicóloga teria nisso tudo. Se pararmos pra pensar que 38% das meninas de 4 anos estão insatisfeitas com seus corpos (Pretty Foundation, 2019), eu precisava fazer alguma coisa dentro do coletivo para começar a mudar esse cenário. Mais mulheres precisavam saber que o movimento do gordoativismo não quer que ninguém engorde ou seja gordo pra sempre, e sim quer humanizar pessoas para que elas inclusive saibam que podem e devem ser respeitadas, se respeitarem como pessoas dignas que merecem um bom atendimento médico, um bom atendimento em lojas, um bom atendimento para fazer exames e para viver a sua vida com o mínimo de dignidade mesmo o mundo todo não querendo que se caiba ali.
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Eu sou uma psicóloga que atende apenas mulheres e especialmente mulheres gordas. Foi um momento tão importante não apenas para mim, mas para muitas mulheres que começaram a realmente encontrar ali um espaço de segurança e de confiança.
Se todos os dias nós pudermos entender que o nosso olhar sobre nós não é o que os outros acham, julgam, pensam e sim o que a gente entende por nós mesmas, trazendo respeito, compaixão e bondade com a nossa história, com a nossa criança interior eu não tenho dúvida que não estaremos perdendo nada com isso, pelo contrário. Eu levei 25 anos pra ter uma boa relação com meu corpo, e quero viver o resto da vida da maneira que todo mundo deve viver.