Não é só a gente que adora olhar para a Rita Carreira. Ela, mais do que todo mundo, ama se olhar. Por dentro e por fora. A relação da modelo plus size com seu corpo vem de uma longa jornada de autoconhecimento e de um hábito que ela tem todo dia, quando sai do banho: "Eu fico literalmente parada em frente ao espelho, nua, por muito tempo, me olhando sem roupa. É uma maneira de você se conhecer, de olhar para si mesmo e descobrir coisas no seu corpo que você nem sabia que tinha. É fácil a gente se gostar de roupa, mas muitas mulheres têm dificuldade de se olhar no espelho nuas".
Aqui, ela traça sua jornada com sua voz doce, mas não se engane com seu jeito manso, viu? Rita é garra pura, e tudo o que é dela hoje ela foi atrás buscar, com a certeza de que tinha seu nome escrito. E não é que tinha?
+ #grandes gostosas: "Sou gostosa mesmo!" - Bruna Pinheiro entrou na sala
Autoconhecimento é chave
Rita começa contando que quando era bem novinha, as questões que mais pegavam pra ela giravam em torno do seu cabelo, que ela alisou com nove anos ("Para poder me encaixar", pontua), seu corpo que sempre foi naturalmente grande, e o tamanho dos seus pés. "Foi quando me tornei mulher e comecei a trabalhar como modelo que começaram a surgir outras questões voltadas para o meu corpo, porque eu via outras meninas e acabava me comparando e me questionando. Mas eu tenho uma relação muito boa com meu corpo por conta do meu processo de autoconhecimento, que me ajudou muito", diz a modelo. Se você já a ouviu falando sobre isso em outro lugar, não é impressão: "Toda vez que vou dar entrevista e falar sobre mim cito isso, porque é a base de tudo para qualquer pessoa seguir a vida".
Esse autoconhecimento vem de diversas formas: de conhecer sua árvore genealógica ("Entender de onde eu vim e ter consciência do meu papel aqui me ajuda muito") ao tal hábito de Rita se olhar nua em frente ao espelho e realmente observar seu corpo, por exemplo. "A gente não tem esse hábito de ficar se olhando nua, né? Mas é uma boa maneira de, principalmente, exercitar um olhar gentil sobre si mesma. Tipo quando você é mãe e consegue olhar uma estria não com ódio, mas lembrando da de onde ela veio, porque ela está ali, ligando a sua imagem à sua historia".
"Eu sou muito de me questionar, de me perceber, de querer saber minha história profundamente, de entender minha árvore genealógica, de entender de onde eu vim e o que estou fazendo aqui"
Rita Carreira
Uma família de mulheres incríveis
A relação tão boa que Rita conta ter com o próprio corpo vem também do fato dela vir de uma família com um forte núcleo feminino: sua mãe é uma de sete irmãs, e ficou orfã muito nova. Sua garra, conta Rita, fez com que ela começasse a trabalhar em uma loja de tecidos no Brás fazendo limpeza e saísse de lá como gerente. "Ela sempre transmitiu pra gente uma força e uma garra muito grandes", se derrete a modelo. "E ela não se apegava a esses padrões que cobravam dela, sabe? Ela sempre amou se arrumar, sempre andava toda cheirosa e sempre transmitia muita energia, muita força, e isso sempre me inspirou demais, porque foi isso que me fez entender que eu não precisava ser fisicamente de um determinado jeito para conseguir o que eu queria".
Da mesma forma que sua mãe, Rita também é muito apegada às suas três irmãs: "O núcleo feminino da nossa familia é muito unido. A gente tem uma autoestima compartilhada, estamos nos elogiando e nos dando força. Então os padrões estéticos ficaram meio que de lado". Esses mesmos padrões ela conta que colocou em outro lugar, "mais de mudar o pensamento das pessoas no sentido de que uma mulher como eu não poderia chegar onde eu cheguei. Eu foquei muito na garra da minha mãe, que tinha que correr atrás das coisas. Ao invés de focar nesse lugar do padrão e pensar que eu não poderia me encaixar, meu objetivo era mostrar que eu podia ser do jeito que eu era e que eu poderia conquistar o que eu queria. Comecei a trabalhar com modelo com 16 anos e vi muita gente duvidando de onde eu conseguiria chegar, e aí isso virou combustível, do tipo, 'Você tá duvidando? Então peraí que eu vou te mostrar'".
+ #grandes gostosas: Lela Brandão e a revolução do corpo
Positividade corporal
O movimento de positividade corporal que toma conta das redes sociais acaba entrando na conversa, como entrou algumas vezes na nossa série de #grandesgostosas. Mas, fazendo coro com outras que já passaram por aqui, Rita vê o princípio como algo que pode ajudar: "Acho importante e muito legal sim, porque querendo ou não, muita coisa mudou. Claro que muitas ainda precisam se libertar de amarras que esses padrões estéticos impõem, mas hoje as mulheres são mais livres", diz. "Só não precisa enxergar essa positividade corporal como uma obrigação, porque você não é obrigada a se aceitar. A gente fala muito sobre isso porque é um caminho mais leve".
Na verdade, Rita nem é fã fa palavra "aceitação": "Ela soa como 'aceita que dói menos', e eu não gosto disso. É mais legal você encarar como um processo de autoconhecimento. Se aceitar soa como obrigação. O que você precisa é se conhecer e se entender. E dali, se você ainda se sentir incomodada e quiser mudar algo no seu corpo, tudo bem, porque você não vai estar fazendo por obrigação. É porque te incomoda. Você não é proibida de mudar algo em você que você não gosta".
Um movimento incrível de grandes gostosas
E sobre esse movimento das grandes gostosas que vem dominando cada vez mais o Instagram? "Ele é sobre pegar pra si, tornar aquilo seu de fato", define Rita. "Existe um olhar, por conta do machismo, de que a mulher que está ali de biquini, mostrando o corpo, está fazendo isso para os homens, mas não: uma vez postei uma foto mostrando bem meu corpo e esclareci na legenda que não estava postando para sensualizar homens, e sim pra inspirar mulheres. É isso".
"Quando eu posto uma foto de biquini, não estou fazendo aquilo pra chamar atenção de homem. Quando eu posto uma foto de biquini, quando mostro partes do meu corpo, é porque sei que mulheres vão se identificar através daquilo".
Rita Carreira
Rita conta, aliás, que recebe muitas mensagens de mulheres contando sobre como seus posts influenciaram a forma como elas se enxergam, e ainda mais longe: "Uma das mensagens que mais me marcou foi a de uma menina que me escreveu contando que depois que me viu postar uma foto de biquini teve coragem de ir a praia. Não é que ela foi à praia e usou biquini - ela so saiu de casa e foi à praia. é quando vc encoraja a pessoa a se libertar daquilo ali. Imagina uma pessoa não conseguir ir à praia por conta do corpo? Isso é muito cruel. Inspirar as pessoas a simplesmente saírem de casa é algo muito poderoso e inspirador pra mim".
+ #grandesgostosas: Laura Peres, Laurão mermo!
Mas tem post só pelo biscoito também? "Ah, claro!", ri a modelo. "A gente também precisa ter esses momentos em que só queremos ser elogiadas, sabe? Quando você está se sentindo bonita e quer mostrar. Por que não receber um elogio? Quando alguém vem elogiando a gente já tem aquele reflexo de dizer 'Ah, nem tô! Não tô tão arrumada, tô de qualquer jeito!', mas a gente pode também simplesmente agradecer, não precisa se justificar - especialmente quando a gente tá se sentindo bonita e quer ser elogiada mesmo. Acredito que essa postura defensiva, sempre tentando se justificar, vem do machismo mesmo. Sabe aquela história de 'Ah, to comendo isso aqui hoje mas amanhã já vou pra academia'? Por que se explicar? Então quando você tá a fim de receber elogio mesmo, aceita e curte!"
O que é ser uma grande gostosa, afinal?
Terminando nosso papo, Rita afirma que ser uma grande gostosa é, de verdade, se sentir bem consigo mesma, conhecer e curtir seu corpo e se sentir bem sendo quem você é: "Não tem nada mais potente e forte do que você saber quem você é de fato. Eu falo muito sobre conhecer sua historia porque para mim é muito mais sobre a beleza de dentro pra fora que o contrário. Quando eu conheço a minha historia me sinto muito mais grandiosa e poderosa, porque sei de onde vim, de onde sou e o que represento. O que vem depois, aquilo que já fortaleci muito bem aqui dentro, eu estou só colocando pra fora".
+ #grandesgostosas: Livia Moreira à beira-mar
Mas quando ela mais se sente uma grande gostosa? "Quando estou trabalhando. Eu me sinto foda, maravilhosa, incrível. Sinto uma força tão grande em ocupar os lugares que estou ocupando hoje em dia, porque sei que através de uma imagem consigo impactar a vida de muita gente - como foi com a capa da Vogue", afirma Rita, que foi a primeira modelo plus size a estampar uma capa da publicação brasileira): "Eu sinto que aquele momento transformou o mercado. Foi uma comoção, uma coisa que ninguém esperava, e que mexeu com a vida de muita gente. Eu me sinto muito bem trabalhando porque sei que estou quebrando padrões, criando sonhos", encerra. E que sonhos mais incríveis.