Testes em animais na China: como funciona e o que está mudando

Testes em animais na China: como funciona e o que está mudando

Afinal de contas, o que está acontecendo com as leis de testes em animais na China? Ariane Ficher, do @ariveganbeauty, te explica tudinho aqui, e já alerta: ainda há um longo caminho pela frente.

Por: Ariane Ficher (@ariveganbeauty)

A lei chinesa de testes em animais em cosméticos é um dos assuntos de maior relevância entre veganos, vegetarianos, e consumidores de produtos sem testes em animais (cruelty free), tendo em vista que a lei acaba influenciando totalmente na escolha de marcas que irão ser consumidas. É essa lei que acaba definindo quais empresas são, de fato, cruelty free, e quais não são.

Apesar de diversas mudanças e uma grande evolução ao longo dos anos, a lei chinesa de testes em animais ainda continua em vigor no país em 2021, fazendo com que diversas empresas estrangeiras que decidem comercializar seus produtos na China tenham que assinar um acordo com o governo chinês permitindo tais testes, além de pagarem taxas para que eles sejam realizados nos seus próprios produtos.

Além disso, mesmo se uma marca não possuir qualquer tipo de relação com testes em animais em seu país de origem, e mesmo se seus produtos forem comprovadamente seguros, sem qualquer necessidade de testes em animais, a partir do momento que ela decidir comercializar na China continental, seus produtos poderão passar por testes em animais de forma obrigatória.

2014: Primeira Alteração Significativa na Lei Chinesa

Até esse ponto, absolutamente todos os tipos de cosméticos estavam sob a obrigatoriedade da lei chinesa de testes em animais. Fabricados na China ou importados, não havia exceção: todos passavam por esses testes para entrarem no mercado chinês.

Entretanto, a primeira mudança na lei ocorreu em 2014. A partir daqui, a categoria de “cosméticos comuns” (ordinary cosmetics), também conhecidos como de uso não especial (non-special use), poderiam fazer uso de testes alternativos, sem o uso de qualquer animal, para serem vendidos na China. Sendo eles: produtos de cuidados com os cabelos, esmaltes, maquiagens, perfumes e certos produtos de cuidados com a pele.

Todavia, eles deveriam ser fabricados exclusivamente na China, e fornecer relatórios de avaliação de segurança confiáveis. Se fossem fabricados fora da China, testes alternativos sem animais não eram uma opção para esses produtos. Além disso, os testes alternativos se tonaram apenas uma escolha para as empresas que fabricassem seus produtos localmente, não uma obrigação. Ou seja: as empresas ainda poderiam continuar testando em animais se assim preferissem.

Já em relação aos “cosméticos não comuns” (non-ordinary cosmetics), também chamados de uso especial (special use), a lei continuava a mesma. Essa categoria de produtos são de uso funcional, como, por exemplo: protetor solar, produtos antiqueda de cabelo, uniformizadores de pele, produtos para permanência capilar ou quaisquer outros que alegam uma nova eficácia.

Para essa segunda categoria de produtos, os testes em animais continuariam de forma obrigatória para que eles pudessem ser vendidos na China, mesmo se fossem fabricados no país. Não havia qualquer opção de testes alternativos para essa categoria de produtos.

2019: Atualização nos Testes Pós-Comercialização

Antes de mais nada, é necessário entender que, na lei chinesa, existem duas etapas de testes em animais, em diferentes momentos: os testes em animais na pré-comercialização e os na pós-comercialização.

Os testes em animais feitos na pré-comercialização são os que possuem maior destaque e conhecimento pelos consumidores em geral. Esses são os testes obrigatórios feitos antes de um produto ser aprovado como seguro para entrar no mercado chinês.

Já os testes em animais na pós-comercialização são o oposto. Ou seja, são testes conduzidos depois que o produto cosmético já está presente nas prateleiras das lojas na China continental. Não são testes obrigatórios, e podem ser realizados caso exista uma reclamação de um consumidor, ou para verificar se o produto que está sendo vendido é o mesmo que está nos registros (basicamente uma verificação de autenticidade).

Para os testes pós-comercialização, não há exceção entre as categorias de produtos citadas anteriormente, o que quer dizer que qualquer marca de cosméticos que possuir produtos sendo vendidos em lojas físicas na China continental corre esse risco de mais uma etapa de testes em animais.

Em 2019, foi anunciado que os testes pós-comercialização em cosméticos importados e produzidos localmente no país não incluiriam mais qualquer tipo de testes em animais. Sendo assim, nenhum produto seria retirado da prateleira para mais uma etapa de experimentos com animais.

Entretanto, posteriormente, a organização HSI (Humane Society International) confirmou que essa nova mudança não se aplica a todos os testes pós-comercialização, e informou que apenas os “testes de rotina” na pós-comercialização não envolverão mais animais.

Os “testes de rotina” são os testes na pós-comercialização, quando os cosméticos são retirados aleatoriamente das prateleiras para confirmar que o produto é autêntico, e que estão de acordo com os seus registros. Já os “testes não rotineiros” ocorrem quando os cosméticos são investigados em caso de reclamação de algum consumidor, quando exista uma preocupação em relação à sua segurança, ou até mesmo suspeita de algum problema mais grave de saúde pública.

De qualquer forma, baseado na mudança de 2019, apenas os “testes de rotina” na pós-comercialização da China não envolvem mais animais - além de ter sido relatado que os “testes não rotineiros” raramente usam animais, pois são mais caros e demorados. Porém, não há confirmação de que eles, de fato, não irão mais envolver animais, restando assim seu risco e possibilidade para qualquer marca que ainda vende na China.

2019: Métodos Alternativos Sem Animais São Aceitos

Em abril de 2019, mais uma mudança na lei chinesa foi divulgada pelo Institute for In Vitro Sciences (IIVS). A partir daqui, nove métodos de testes foram aprovados pela Administração Nacional de Produtos Médicos da China (NMPA) para serem usados a partir de 1º de janeiro de 2020. Entre eles, dois métodos de testes alternativos sem o uso de animais.

Apesar de ser um grande progresso, testes em animais não tiveram fim. Essa evolução apenas significa que novos métodos foram aprovados para uso. E, apesar de ser esperado que se tornem os testes toxicológicos preferidos para o registro e aprovação de ingredientes cosméticos na pré-comercialização, não quer dizer que os testes em animais serão totalmente substituídos, muito menos banidos.

Além disso, a presidente da IIVS, Erin Hill, deixou claro que os novos testes alternativos sem animais não foram validados para as formulações finais dos produtos, apenas para os ingredientes. Portanto, de fato, não poderão substituir completamente os testes em animais na China na pré-comercialização.

O que mudou em 2021?

A partir de 1 de maio de 2021, a China implementou mudanças significativas na sua lei de testes em animais na pré-comercialização. Até o momento, somente produtos na categoria de “cosméticos comuns” (ordinary cosmetics) que fossem fabricados localmente no país poderiam se esquivar de testes em animais durante a pré-comercialização (como informado anteriormente, na mudança feita em 2014).

Contudo, a partir dessa data, marcas que fabricarem fora da China seus produtos que entram na categoria de “cosméticos comuns” também poderão evitar testes em animais nesses produtos em específico, desde que não sejam produtos para bebês ou crianças, nem que possuam novos ingredientes.

Em relação aos “cosméticos não comuns” (non-ordinary cosmetics), independente se forem fabricados na China ou não, eles continuarão tendo que ser obrigatoriamente testados em animais em 2021.

Além disso, essa não é uma situação simples para as empresas que optarem por não testar em animais. Elas terão que obter certificações GMP emitidas e concedidas pela autoridade cosmética de seus países, além de fornecer uma avaliação de segurança que pode confirmar totalmente a segurança dos seus produtos. Os fabricantes precisam fornecer um certificado de conformidade confirmando que o produto está dentro de vários padrões de fabricação e segurança.

Essa é uma situação incomum para as autoridades de diversos países, podendo dificultar que marcas de certas regiões do mundo consigam as certificações necessárias solicitadas pelo governo chinês. Todavia, a França saiu à frente de diversos países, e já anunciou que está em posição de emitir os documentos solicitados pelas autoridades chinesas para que suas marcas locais consigam evitar os testes em animais na pré-comercialização da China.

Porém, não há qualquer confirmação de que as autoridades chinesas irão, de fato, aceitar as documentações e certificações fornecidas por essas marcas. Aliás, até o momento, não há qualquer informação de que alguma marca tenha conseguido ser aprovada.

A China irá proibir testes em animais?

Embora a China tenha dado ótimos passos para que, no futuro, testes em animais não sejam mais obrigatórios no país, a realidade ainda é outra. Não é provável que o país retire a obrigatoriedade de testes em animais tão cedo, muito menos que irá proibir testes em animais totalmente.

O país está fazendo uma mudança lenta na sua legislação, melhorando sua infraestrutura e regulamentações, além de estar aprovando testes alternativos internacionalmente reconhecidos, mesmo que lentamente. Cada passo é importante, e cada pequena mudança leva a um futuro onde a China poderá, finalmente, colocar um fim na sua legislação que obriga testes em animais para marcas estrangeiras.

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