Por Toranja (Giovanna Massera)
Hoje em dia todo mundo já ouviu falar sobre representatividade. É um dos maiores focos nas redes sociais, em que a maioria das blogueiras mais famosas ainda alimentam padrões estéticos inalcançáveis para nós, meros mortais, que não temos dinheiro suficiente para tantos procedimentos estéticos, que não podemos mudar milagrosamente a cor da nossa pele para sermos mais aceitáveis socialmente e nem emagrecer o necessário para te acharem bonita.
Padrões esses que são ditos por homens, que não sofrem psicologicamente e nem fisicamente para se encaixar nessas mudanças. Eu sei, essa pauta está repetitiva, mas ela mudou a minha vida e tem mudado a vida de inúmeras garotinhas que já pensaram em se machucar pra serem belas.
Eu sei que você viveu isso também
Eu mesma, nascida no final da década de 90: uma mulher negra periférica, que desde que aprendeu a falar, também aprendeu como é ser uma mulher bonita e como ser respeitada. Aprendemos desde cedo a nos tornar algo impossível para nossa realidade.
Em contrapartida vem o avanço da internet: as redes sociais, as tais blogueiras... Mas entre elas, muitas pessoas se atrevem a questionar esse padrão. Por que só somos elogiadas quando estamos magras, mesmo se estivermos sem comer por conta de transtornos alimentares ou depressão? O magro é uma das principais metas de vida das pessoas, principalmente mulheres. Claro, com o tempo começou a questionar-se outros modelos de beleza - como pessoas brancas, cabelos lisos, traços europeus para ser mais exata. São inúmeros os "ideais" ditados pela sociedade, pelo mercado da beleza e pelos homens, e reproduzido por mulheres.
Acabei crescendo sonhando em ser outra mulher. A mais bela, como todos diziam. Mas eu sempre soube, desde pequena, que era simplesmente impossível me torná-la. Alguns procedimentos estéticos e cirurgias plásticas podiam ajudar, mas não me tornaram ela. Porque algumas mudanças eram impossíveis, como a cor da pele. E por mais que eu já sonhasse com esse ideal, eu ainda não enxergava nitidamente o preconceito das pessoas por conta da minha aparência - ou pelo menos não queria enxergar. Até porque é subentendido, disfarçado.
O divisor de águas
Então veio o lúpus, na entrada da adolescência. Fui diagnosticada com uma doença e, como se não bastasse, com ela vieram mudanças corporais, um efeito colateral do tratamento que eu precisava fazer para sobreviver. Logo quando eu estava me TORNANDO MULHER, meu mundo acabou. Se antes era impossível ser como as modelos de revistas e filmes que via, imagina agora, com tantas estrias profundas, o corpo inchado, a pele flácida que ficou. Essas mudanças vieram com tudo, bem rápido, e com elas o preconceito ficou mais escancarado. Eu sempre ouvia piadas, apelidos, tudo por conta da minha aparência.
No início não dava pra esconder, mas com o tempo fui me camuflando em ser uma pessoa "normal". Roupas largas, moletons, calça, jaquetas - tudo pra esconder cada pedaço do meu corpo, mesmo se batesse o recorde de clima quente. Eu suava, passava mal, mas fingia que era normal. O pior, porém, é tratarem essa experiência como algo normal na vida de várias mulheres.
Foi quando encontrei esses perfis, de pessoas reais, não de modelos inalcançáveis e blogueiras ricas com inúmeras mudanças corporais. Achei pessoas negras, gordas, mostrando suas celulites, estrias e se sentindo lindas com suas ditas imperfeições. Eu queria me amar assim também. Até encontrei algumas pessoas com as quais eu me identificava um pouco, mas não o suficiente.
Achava que era a única pessoa do mundo com síndrome de cushing, mas eu estava abalada psicologicamente, a ponto de acabar com tudo ou lidar com a minha realidade. Me forcei muito a naturalizar uma doença e meu corpo diferente do comum. Eu sempre percebia os olhares, até chorava com eles, mas me forcei e até compartilhava essas experiências nas redes sociais. Foi quando descobri que não era a única pessoa com o corpo como o meu, que alívio!
O poder da representatividade
Minha mudança pessoal inspirou pessoas que eu não conhecia, assim como outras pessoas me inspiraram, mesmo não tendo o corpo igual ao meu, mas porque elas estavam confortáveis com o delas. Eu tento criar minha referência e sem querer de outras pessoas, mas essa conquista não é só minha, é de várias pessoas. Desde a que me inspiraram só por serem quem são e indo ao oposto da vitrine de vida perfeita postada no feed do Instagram, quanto as que se identificam com a minha história e mandam mensagens compartilhando suas inseguranças, mudanças e como estão cultivando carinho pelos seus corpos.
Pode me chamar de defensora da representatividade, mas se não fosse ela, eu e inúmeras outras pessoas, não iríamos ter uma relação saudável com nossos corpos. Até porque é triste demais viver se odiando.
Nas imagens: @lxccarvalho, @maaria_vieira, @vulgofelicious, @vitormaccla, @lorenaeltzz, @_anaclarabn, @baddiesantana, @barbarhat, @blogueirapcd, @ivanbaronn e @toranja.mecanica