Larissa Gargaro: "O esporte está muito conectado com quem eu sou"

Maratonista, Larissa Gargaro bate um papo sobre a relação com o esporte, os limites do corpo e a liberdade e autoconfiança que a corrida pode trazer

Larissa Gargaro, 28 anos, é maratonista - além de várias outras coisas, é claro! Com quatro maratonas no currículo, a corrida é um grande hábito em sua vida, tão comum como escovar os dentes e tomar banho todos os dias. O esporte, ela diz, é parte de quem ela é: traz liberdade, empoderamento, autoconfiança e dá suporte tanto para sua vida profissional – ela é membro da equipe de Fashion & Beauty Partnerships LatAm no Instagram -, quanto pessoal.

Larissa Gargaro corre no parque

Tá pronto para esse papo cheio de reflexões sobre o esporte, bem-estar e confiança? Então, já pega essa dica da Lari: “Um erro muito comum que as pessoas cometem é achar que para correr você precisa ser magra. Não, você pode ir com o corpo que você tem agora. Outro erro é pensar que corrida é igual a correr rápido, ficar sem fôlego. Correr é devagar, é seu ritmo. Cada um vai ter seu momento de superação no seu ritmo.”

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Pra ela, de certa forma, a corrida tem a mesma função da rotina de skincare antes da maquiagem. “Começa de dentro, com o exercício físico, depois vai para o seu estado de espírito. Se eu corro de manhã, me sinto mais bonita e autoconfiante. O esporte está para minha confiança como meu skincare está para minha maquiagem: se minha pele não estiver boa, nutrida, minha maquiagem não vai ficar boa”, exemplifica.

Corrida, intercâmbio e o começo de tudo

A Larissa sempre foi uma criança e uma adolescente ativa. Ao longo do ensino médio, ela fez algumas investidas mais contundentes no esporte e chegou a participar de um time de vôlei, quando ainda morava em Porto Alegre (RS). “Gostava muito de jogar vôlei, mas me incomodava muito o ambiente competitivo e agressivo do esporte. Cheguei a fazer parte de um time uma época e voltava para casa arrasada, porque você errava um passe e sofria muito terror psicológico. Aguentei uns seis meses e saí”, lembra.

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Ainda no Ensino Médio, aos 15 anos, Larissa foi fazer um intercâmbio de seis meses nos Estados Unidos e achou que entrar em alguma equipe podia facilitar sua vida na hora de fazer amigos. “Nessa época eu só fazia academia e educação física no colégio. Aquela época bombava Jump e Step", ela ri. "Alguns meses antes de viajar, conheci uma americana que estava fazendo intercâmbio em uma outra escola e ela me falou desse tal de Cross Country, que eu nunca tinha ouvido falar. Ela falou que era um time de pessoas que se juntavam e saíam para correr. Como assim? Só correr? É, só correr ao ar livre. Achei aquilo fantástico, porque ninguém ia ficar me xingando se eu errasse uma bola”, se diverte ao lembrar.

Assim que chegou por lá, se inscreveu no time, sem precisar passar por qualquer teste. Era só começar a correr. E foi isso que ela fez lá em 2008 e segue fazendo até hoje, em 2021. “Nunca tinha corrido na vida, nada. Tinha um tênis aleatório, e nem sei nem como consegui correr seis meses com aquele tênis. Mas consegui fazer amigos de fato, amigos locais, e por acaso me apaixonei pelo esporte.”

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“O que eu gostei muito na corrida é que é um esporte individual mas ao mesmo tempo muito coletivo. A questão social sempre foi muito presente. E eu gostava muito disso - de você poder sair para fazer o seu treino mas ao mesmo tempo estar conversando com alguém, conhecendo uma outra pessoa. Nisso, eu também eu descobri um pequeno talento natural. Não acho que sou mega talentosa, mas era meio que boa nisso”, completa.

Inclusive, foi justamente nessa época em que ela sentiu a liberdade e a potência de correr pela primeira vez.

“Quando você entende a liberdade que é você pegar um tênis e sair pra correr... Teve um treino específico, quando eu ainda estava nos Estados Unidos, que foi um divisor de águas. Foi a primeira vez que eu corri 6 quilômetros direto. Hoje isso é ir até a padaria pra mim. Mas, nesse dia, lembro que eu pensei: nossa, eu consigo correr 6 km, que incrível.”

Larissa Gargaro

E essa sensação segue presente todos os dias. “Os momentos em que me sinto mais livre e confiante são os treinos. Não todos, porque em alguns você se sente mal, é normal. Mas um treino leve, na sexta-feira, quando o dia tá lindo, e encontro meus amigos, lembro que eu tô saudável, viva... Essas explosões de confiança e felicidade vêm muito frequentemente graças a corrida. São momentos muito deliciosos.”

O encontro com a maratona

Quando voltou para o Brasil, a Larissa logo procurou um grupo de corrida, e descobriu o mundo das assessorias esportivas e entrou de cabeça no novo esporte.  

“Eu tinha 15 anos e eu nunca mais parei. Peguei um gosto pela coisa que virou um hábito tão forte que o esporte se tornou uma parte muito, muito grande da minha identidade. A Larissa esportista está totalmente unida com a Larissa profissional e com sua vida pessoal. Tanto que se você me perguntar: o que você faz quando a preguiça bate? Nada, eu saio e vou. É que nem escovar os dentes. Pra mim, não passa pela cabeça perder um treino. O esporte hoje em dia está muito conectado com quem eu sou."

Larissa Gargaro

Ao começar a treinar com assessorias de corrida, Larrisa começou a participar de algumas provas de rua, em geral de 5km e 10km, e mais tarde muitas meias-maratonas. E assim foi durante um bom tempo. Só nove anos depois de começar a correr é que decidiu encarar 42 km.

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“Antes eu não queria. Eu sabia do hype da maratona, mas dentro de mim não queria fazer pela onda dos outros. Queria fazer quando sentisse vontade. Foi depois que eu fiz minha primeira maratona, em 2017, que descobri que era essa distância que eu mais gostava e, desde então, já fiz quatro”, conta.

A primeira foi em Porto Alegre, ou seja, em casa. “Eu já morava em São Paulo, mas foi muito especial. Eu espalhei a minha família em pontos estratégicos da prova. A minha avó ficou no 26 km, minha mãe no 32 km... Porque eu sabia que eu precisava de um gás. Foi super, super especial”, relembra.

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Tudo que a Larissa fez, você já deve ter notado, é com intensidade, buscando ser sua melhor versão: “Gosto de ver que naquela prova eu fui melhor que anterior, ver como meu tempo foi melhorando ao longo dos anos. A prova, querendo ou não, é uma régua para você ver sua evolução. Então, é legal.”

A maratona é uma caixinha de surpresas

Esse foi um dos maiores ensinamentos das maratonas, para Larissa: pode dar tudo certo e pode dar tudo errado. E nem todas as provas vão ser perfeitas do começo ao fim: a Lari já quebrou e teve várias provas difíceis. Mas há beleza e aprendizado nisso também: “A única maratona que eu quebrei, digamos assim, e que sofri demais, foi a de Berlim. Foi um erro humano. Eu não bebi água o suficiente e saí rápido demais. Uma maratona dura três horas, para mais. Então, tudo pode acontecer. Você vai do céu ao inferno muito rápido.”

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“A prova em si é só a coroação de um processo que começa quatro meses ou até anos antes. Talvez em sua primeira maratona você espere que seja aquela coisa perfeita, mas não há como ter controle sobre isso. A maratona é muito mais do que o dia, do você ir lá e pegar medalha. São durante os meses anteriores que você vai abrir mão de sair na sexta-feira à noite para treinar no sábado de manhã, que vai ter que comer certo, vai ter que dizer não para os amigos que querem sair por causa disso e daquilo, que você vai ter treinos dificílimos, que você vai querer deitar no chão e chorar.São muitas coisas e é muito tempo. E, no meio disso tudo, você também se conecta com quem está passando por esse processo. Então, na verdade, a maratona (e a corrida como um todo) é um esporte coletivo, só que você performa ele individualmente.”

Larissa Gargaro

Na maratona de Boston, a segunda que a Larissa fez, caiu um temporal, o frio era grande (-2ºC) e a prova quase foi cancelada. “Antes de largar, já estava chovendo torrencialmente. E, além de tudo, eu tive um piriri no meio da prova. Então, foi um caos. Mas eu estava tão feliz de estar ali. Então, juro por Deus, toda vez que eu parava para ir ao banheiro, eu pensava assim: que bom que tem banheiro nessa prova para eu poder ir. E essa prova, apesar de todas as condições climáticas, na época foi o meu melhor tempo. Eu consegui curtir e a torcida me carregou, porque não eram só os corredores que estavam ali enfrentando frio, vento e chuva. A torcida também estava lá na rua batendo palma. É uma energia muito forte. Se você está na prova e começa a caminhar, pode ter certeza que alguém vai dar um tapinha no seu ombro e falar: vamos lá, você consegue. Sempre tem uns anjos no meio da prova que você conhece e depois nunca mais vê.”

É óbvio que você quer que o dia da prova seja perfeito, mas assim como na vida é impossível controlar tudo. Seu estômago pode reclamar, você pode acabar desidratada ou seu corpo pode simplesmente te dizer: não quero mais, valeu. Tudo pode acontecer.

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Na maratona de Nova York, tudo saiu de acordo com o planejado e a Lari teve um tempo incrível. Em dezembro de 2019, em uma prova com muitos brasileiros, ela foi a segunda melhor brasileira na prova. A primeira foi uma amiga.

“A maratona é um esporte muito mental. Uma das coisas que a gente treina nas fases antes é questão da cabeça. Você ser resiliente, você entender que a sua mente é capaz de controlar o seu corpo e vice-versa. Então, tem até uma técnica de meditação que chama visualização e que você literalmente fecha o olho e vai imaginar como vai ser o seu dia da prova. Óbvio que a medalha é legal, mas o mais legal todo o pacote que vem junto”.

Larissa Gargaro

Comunidade e a mulher na corrida

A Larissa Gargaro acredita que a corrida é um esporte que vem unindo homens e mulheres, mesmo que o machismo ainda esteja muito presente. “50% dos meus parceiros de treinos são homens. Talvez um pouco mais. No meu grupo de treino, eles são homens que treinam muito forte, mas eles adoram ver a mulherada ir forte. Eles não têm vergonha ou medo de ficar atrás de mim. Mas existe muito machismo na corrida, sim.”

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Aqui um exemplo: “uma das coisas mais divertidas que tem é você estar correndo em algum lugar, e sempre aparece algum idiota, que olha e pensa: vou passar essa menina. Aí você deixa passar. Em geral, dois minutos depois o cara que faz isso vai reduzir muito a velocidade, porque não vai aguentar, ou vai literalmente parar. Aí você vai passar plena por ele. Existem pesquisas que comprovam que a mulher tem uma certa maturidade com controle de ritmo, a gente consegue se manter mais. O cara tem essa coisa de querer ir forte e aí quebra. E é um pouco divertido você passar esses caras assim. Ele achou que era o bonzão, mas a boazona aqui sou eu. O ego!”

Os grupos de corrida acabam ajudando mulheres a se unirem e se apoiarem. “Hoje minhas melhores amigas são da corrida. E eu me sinto muito grata que eu posso ver minhas melhores amigas de manhã no parque, sem precisar de bebida alcóolica, sem precisar estar em um bar. Seis da manhã no Ibira? Sim, seis horas no Ibira! Se encontra, bota o papo em dia e vai.”

“Na corrida, tá todo mundo igual. Todo mundo de shorts, tênis, descabelado, suado, mas todo mundo muito feliz. É o momento em que eu me sinto mais confiante, mais gata: depois de correr. Se eu vou para um bar, toda montada, tenho muito mais dificuldade de flertar, do que quando eu estou toda suada no parque, correndo. Quando eu tô correndo, eu tô muito confiante.”

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