mundo, eu te aceito de volta

mundo, eu te aceito de volta

Como você está lidando com a retomada à vida social? Não se preocupe se você estiver com medo. Carol Figueiredo fala sobre isso no texto de hoje.

"O que fazer depois de tantos dias sozinha dentro de casa?" 

De vez em quando me pego pensando nisso em frente ao espelho. Geralmente acontece quando preciso sair para algum canto. Não sair pra comprar pão ou ir ao mercado. Sair socialmente, sabe? Vestir uma roupinha e usar maquiagem, até pensando em mostrar o rosto sem máscara. Coisas que voltaram a acontecer agora com a flexibilização da pandemia. O fim não chegou, claro, importante salientar isso; mas você vai concordar comigo que as coisas estão mais seguras com o avanço da vacinação. Estamos voltando a viver, mesmo que seja com cautela. Os famosos baby steps. Vejo isso como algo bom, óbvio. Afinal, sofremos demais dentro de nossas casas, pensando no dia que voltaríamos a viver em comunidade. Mas não significa que isso tudo não possa ser assustador para algumas pessoas. Pra mim é. Bastante. E pra você? 

Ah, não podemos esquecer que estamos bem próximas das festas de fim de ano. As reuniões de família, as piadinhas de pavê e, claro, os comentários indesejados de familiares inconvenientes. Se esse cenário já era um tanto irritante antes da pandemia, quem dirá agora?  

Bem, não sei como você se sente por aí, mas como me sinto é: assustada. Sendo bem sincerona com vocês aqui, como sempre fiz nos nossos papos. Até porque não tenho pra que mentir. E a verdade é essa, bate um medinho de voltar a viver socialmente. Por que isso tá rolando? Lembro-me de estar deitada na minha cama em plena sexta-feira há alguns meses atrás e pensando: "poxa, como queria sair!", "ai, que saudade dos meus amigos e familiares, queria ver eles!". Hoje, só de imaginar isso, sinto um frio na barriga - barriga essa que cresceu bastante durante o isolamento. Essas pessoas não acompanharam essa mudança corporal. E aí, chegamos ao ponto que eu penso que seja o xis da questão inteira.

+ Sobre ter orgulho de como se fala

Eu mudei. Muito. Externamente e internamente.  

Todo mundo, né? Difícil encontrar alguém que diga que a pandemia e o isolamento não o mudou. Pessoas que ficaram mais sérias e reservadas, outras encontraram uma parte infantil de si que estava a muito tempo adormecida e precisou voltar a existir para ajudar a lidar com a realidade difícil que estávamos encarando. Alguns quilinhos a mais, outros a menos. Muitas mudanças corporais, cabelos em transição que se livraram da química… quanta coisa mudou. Só que essas coisas aconteceram em um cenário singular. Mudamos tanto durante nossas vidas, não é mesmo? Mas nunca em um contexto como esse. Um dia estava tentando comparar o que estou vivendo com o que sentia quando voltava das férias escolares. A ansiedade para ver os meus amigos, quase sempre um pouco mais avançados na puberdade, com algumas histórias legais pra contar… só que dessa vez é bem diferente.

E cá entre nós, é bem mais fácil notar que uma pessoa mudou por fora do que por dentro, né? Fico pensando… será que quando as pessoas voltarem a ter contato comigo, elas vão ver que mudei? A resposta é óbvia: sim. Mas isso não é ruim, e eu consigo entender após muito refletir sobre isso.

Porque, de fato, meu corpo mudou muito. Meu cabelo não é mais liso, minhas estrias aumentaram e eu não uso mais as roupas de antes. Deixei de usar tanta maquiagem e cresci uns 2 centímetros – achei que era impossível depois de adulta. Resumindo, mudei. Mas não foi apenas por fora que essa mudança aconteceu. Aqui dentro existe uma mulher mais resiliente, madura e que aprendeu a enxergar suas fraquezas de um modo gentil. Uma mulher que em meio à solidão, medo do amanhã e do presente que era tão assustador quanto, em meio de tanta saudade da família e dos amigos, encontrou uma companhia dentro do apartamento que se isolou, e nem falo dos meus gatos ou das conversas por FaceTime com colegas. Encontrei apoio em mim, e assim continuarei fazendo. Por que ter vergonha de mostrar essa nova pessoa, afinal?

+ Vou te levar pra ver o sol

O meu corpo mudou, e isso foi reflexo de inúmeros processos internos que eu tive que passar nesse momento tão caótico e atípico. É no mínimo injusto querer me punir por essa mudança. Eu quero agradecer que estou aqui ainda, isso sim!

O amadurecimento que veio durante esses dias de pandemia veio de uma forma um tanto – ou muito – amarga. Porque foi acelerado. Ou amadurecíamos, ou… amadurecíamos. E assim fiz. Com isso tudo, tive contato com uma autocompaixão comigo mesma que nunca mais quero largar. Não consigo aceitar que alguém me diminua por conta da minha aparência, pelo número de calça que visto, ou por qualquer coisa. Sei que sou grande – em todos os sentidos – e tenho muito orgulho disso, de ter chegado até aqui.

E, cá entre nós, alguns números a mais ou a menos na etiqueta da minha calça é algo tão ruim assim? Sério?

Não! Não é mesmo. 

+ Eu permito o sol beijar a minha pele

Claro que quando envolve outras pessoas e as percepções delas diante nós, a forma que lidamos com nossas inseguranças muda. Até porque não é todo mundo que tem a decência de entender que estamos todos em um momento delicado de retomada à vida real. Que para além do exterior, nosso interior também está se reacostumando com a socialização. 

(Abrindo parênteses aqui para acrescentar que, putssss, quando nos referimos a familiares, isso é tão mais intenso, não é mesmo? Esses julgamentos disfarçados de conselhos. Por que as pessoas que tecnicamente deveriam te apoiar e te confortar independente da circunstância são aquelas que muitas vezes mais te apontam o dedo pra julgar? Enfim… papo pra outra hora.)

O que me faz querer continuar avançando nesse "novo cenário desconhecido" é que eu sei que a pessoa que esteve ao meu lado durante esses dias caóticos e assustadores fui eu mesma. Esse corpo mudado e essa mente mais madura me acompanharam durante os meus processos. Comentários de pessoas que estavam vivendo suas próprias vidas não devem abalar o meu relacionamento com a minha melhor amiga e fiel companheira: eu mesma. 

Você me entende? O que eu quero dizer é que, sim, isso tudo é assustador. Mas também era assustador entrar em um colégio novo onde a gente não conhecia ninguém. No entanto, ainda sim estamos aqui. Conseguimos viver, mesmo que com alguns empecilhos no meio e alguns encontros com pessoas inconvenientes. Tudo isso porque entendemos que a nossa própria companhia, de certa forma, basta.

+ Medidas online que salvam a autoestima offline

Natal está chegando e irei passar a data com a minha família. Todos vacinados, todos bem e todos saudáveis. Queria deixar aqui explícita minha eterna gratidão por isso. E quando vierem os comentários ácidos sobre a minha aparência e meu corpo, devolverei exatamente nesse tom: de gratidão. Por estar aqui, por ver a minha família e por habitar nesse corpo que, ao meu lado, conseguiu resistir para que eu pudesse continuar existindo hoje.

Não tenhamos medo de mostrar quem somos, nossas mentes, nossos corpos. Afinal, mesmo mudadas, ainda somos nós mesmas. Fortes, maduras, e lindas, do jeito que precisamos ser. 

E na ceia de Natal eu te desejo uma boa e gostosa mesa de delícias. Não esqueça de vestir sua roupinha confortável para aproveitar sem sentir desconforto. Nós merecemos isso. 

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