É 2019. E sim, todo mundo está falando sobre a Miss Universo.
Aos 26 anos, Zozibini Tunzi, da África do Sul, se tornou a primeira mulher negra desde 2011 a vencer o concurso. Naquele ano, foi a angolana Leila Lopes. Para se ter mais uma ideia, antes dela, a última negra a vencer o concurso de Miss Universo foi 12 anos antes. Era Mpule Kwelagobe, de Botswana.
Zozibini Tunzi é linda, é negra, mas além de tudo isso, ela tem muito a dizer:
"A sociedade foi programada por muito tempo para não ver beleza na mulher negra, mas agora estamos lentamente caminhando para uma era em que mulheres como eu finalmente podem encontrar seu lugar na sociedade, podem finalmente saber que são bonitas”.
Ao vencer o concurso de beleza, Tunzi falou sobre a importância, para toda uma geração de meninas, de finalmente se verem refletidas neste tipo de evento. A comoção foi absoluta, e levantou uma série de questões muito profundas e pertinentes. Mas, no geral, o clima foi de celebração de uma verdadeira vitória.
Concursos de beleza como Miss Universo ainda tem espaço na sociedade nos dias de hoje? "Na minha opinião concursos para avaliar mulheres de acordo com a sua estética já não deveriam mais existir. Mas a realidade é que eles existem e o mundo que vivemos ainda é regido por imagens. Imagens essas que normalmente ligam pessoas negras a coisas negativas", conta Gabi Oliveira, a @gabidepretas, quando conversamos sobre o assunto. "Por isso, acredito que sim, ainda é significativo e importante termos uma mulher negra de pele escura e cabelos curtos sendo considerada a mulher mais bonita do mundo. Mesmo que, como a própria mostrou em seus discursos, a existência dela e a mensagem que ela quer passar não se resumam a sua beleza exterior."
Daniele da Mata, a @afrocruela, também partilha dessa opinião: "Concursos como o de Miss Universo reforçam sim alguns estereótipos. Porém acho que é importante entendermos também o quanto esta vitória é importante para muitas mulheres, a importância de ser representada. Isso não anula o fato de ter uma mulher que escolheu estar num concurso desse."
Daniele aproveitou para relembrar sua própria experiência como jurada do Miss Universo no Brasil: "Foi muito legal participar, entender o processo e o que essas meninas fazem. Como funciona toda a questão de preparação, do sonho. Mudei muito meu pensamento depois que conheci essas mulheres, quando participei. Na verdade, a partir do momento em que é a escolha de uma mulher negra ou não, tanto faz, participar deste concurso, ela tem consciência do quanto isso reforça padrões e do quanto é importante la estar lá. Não vejo problema e, na verdade, para mim, como mulher negra que fala sobre estética negra, preciso que todas as belezas sejam representadas. Para mim é isso que importa."
Laura Peres, maquiadora poderosa que já participou da nossa série #vivasuapele reforça a trama conversa: "Penso que a representatividade precisa ser em tudo. O padrão é criado por uma noção massiva de uma ideia. Então se a gente precisa que seja redefinido, a gente vai ter que ter essa representatividade em todos os lugares, inclusive no que não interessa, no que a gente acha bobo. Porque é onde não tem importância que a gente entende a fundamentação duma sociedade estritamente eurocêntrica", diz Laura.
"Acho inclusive muito problemático quem vem com aquele discurso 'Ai, mas vocês ainda estão batendo palma para Miss Universo? Sim, estamos, porque se nem lá a gente tinha representatividade, como a gente vai ter representatividade entre os CEOs de empresas, chefes de Estado, empresários que fomentam uma economia e daí por diante? A gente precisa reconhecer que foi esmagadoramente feita uma lógica de beleza eurocentrada, e a Miss Universo vem para quebrar isso", ela completa.
Para Laura, é muito importante falar sobre a cor da pele e a textura do cabelo de Zozibini Tunzi: "Você tem outras, como a Miss Teen USA e a Miss USA, que têm a pele bem mais clara. É óbvio que elas precisam estar nestes lugares, mas precisamos de mulheres pretas retintas nesses lugares, porque é isso que muda alguma coisa. A gente continuar no mesmo estágio de inserção só pensando nos fenótipos não vai nos ajudar. Precisamos que padrões sejam quebrados. É muito importante ela ter aquele cabelo. Acho importante a cor da pele dela."
"Ter uma uma Miss Universo de pele escura, de pele retinta, representa muito para mim e para outras mulheres negras que não se vêem em quase nenhum lugar. Quando falamos de Miss Universo, há uma ligação direta com beleza e com padrão de beleza", diz Daniele. "Quando a gente vê uma mulher negra como Miss Universo, temos a sensação de que estamos caminhando para redefinir padrões, se for essa a palavra, redefinir belezas, conseguir encontrar beleza em outros lugares, estéticas e formatos de rosto. Para mim isso é muito importante."
Que ano é hoje? 2019. Um ano em que ainda se sua muito para se garantir seu espaço. Que foda quando se tem uma vitória destas. Legítima. O quão incrível isso é para tantas meninas, meninos e todos no meio dos dois? Não precisa ser importante para você especificamente. Mas isso não torna nada menos importante.
Como disse Luiza Brasil (@mequetrefismos) em seu Instagram:
"Meus caros, hoje eu não vou entrar no mérito do quanto esses concursos do que é ser belo são opressores e precisam ser repensados. Sou uma verdadeira entusiasta da individualidade da beleza, e que muitas vezes não está na forma final: mas no repertório de construção de imagem ou, simplesmente, nos gestos. Mas hoje me permiti ter uma ótica bastante pessoal em torno do me enxergar.
Me enxergar enquanto mulher negra de pele escura; me enxergar enquanto mulher negra de cabelo crespo; me enxergar enquanto mulher negra que adentra em espaços de tradicionais instituições, pois nossa presença naturalmente articula novos rumos para o que sempre foi. Ufa, se ver é tão bom, né?!"